Embora nos últimos anos o leitor apaixonado esteja envolvido – ou, talvez melhor dizendo, se envolvendo – com as mais diversas questões relacionadas ao livro, tais como “o livro eletrônico acabará com o físico?”; “as livrarias vão sobreviver à expansão do comércio virtual?”; “como vou conseguir um autógrafo de Philip Roth no Kindle?”; ou “o Kindle aguenta uma chuvinha?”, o objeto principal de sua preocupação e atenção é sempre o mesmo: os livros, claro.
E, para o leitor apaixonado, existem algumas coisas que são quase sagradas, como cheirar um livro novo – se bem que há quem prefira o cheiro de livros velhos, tem fetiche para tudo -, uma capa bem feita – há quem colecione livros pela capa, não duvidem! – e, claro, belos textos exaltando o valor do livro – melhor ainda se for impresso.
Quando um desses leitores encontra uma obra que reúna essas três características, ele se sente, parafraseando o argentino Jorge Luis Borges, no paraíso.
É mais ou menos a sensação que se tem ao ler “A paixão pelos livros” (Casa da Palavra, 2004), obra organizada por Julio Silveira e Martha Ribas, uma coletânea de textos e frases de diversos autores sobre, já ficou óbvio, livros.
Entre as frases, há desde pérolas de impacto, como a do escritor alemão Heinrich Heine, “Onde se queimam livros cedo ou tarde se queimam homens” (vale aqui citar, como indicação sobre o assunto, “História universal da destruição dos livros”, de Fernando Báez), até as espirituosas, como a de Erasmo de Roterdã que diz “Quando tenho algum dinheiro, compro livros. Se ainda me sobrar algum, compro roupas e comida” (abro um outro parêntese para confessar que esta última reflete minha realidade).
Mas é entre os textos selecionados que está o melhor de “A paixão pelos livros”. “Bibliomania”, conto de Gustave Flaubert, por exemplo, mostra como o amor desmedido – na verdade, talvez não seja “amor” a palavra, e sim “obsessão” – pelos livros – nesse caso, por uma determinada obra – pode levar um homem à loucura.
Já os escritos por José Mindlin e Carlos Drummond de Andrade – respectivamente “Loucura mansa” e “O sebo” – são mais leves e mais românticos. Mindlin diz, a título de gracejo, que o livro é o “Companheiro ideal (…), pois está sempre à disposição, não cria problemas, não se ofende quando é esquecido, e se deixa retomar sem histórias, a qualquer hora do dia ou da noite que o leitor deseja”.
Em seu texto, Drummond também se vale do bom humor, e diz “Lá em casa não cabe mais nem um aviso de conta de luz, tanto mais que as listas telefônicas estão ocupando o lugar dos dicionários, mas o frequentador de sebo leva assim mesmo o volume, que não irá folhear. A mulher espera-o zangada: ‘Trouxe mais uma porcaria para casa!’ Porcaria? Tem um verso que nos comoveu, quando a gente se comovia fácil, tem uma vinheta, um traço particular, um agrado só para nós, e basta”.
Figuram, ainda, entre as páginas de “A paixão pelos livros” textos de Michel de Montaigne, Plínio Doyle, Camilo Castelo Branco, Rodrigo Lacerda e outros. A grande surpresa, contudo, vem com o conto de um autor pouco conhecido no Brasil: o norte-americano descendente de armenos William Saroyan.
Trata-se de “Dia frio”, uma pequena ode aos livros, e uma pequena obra-prima de ficção. Para resumir em poucas palavras: escrito em forma de carta, a história é o relato de um escritor que tenta escrever um conto mas faz tanto frio que ele não consegue. “Gostaria de saber o que o Partido Democrata já fez pelos escritores congelantes. Todos os outros recebem calor. Nós temos que depender do sol e, no inverno, não se pode depender do sol. Esse é o x do meu problema: querer escrever um conto e não podê-lo, por causa do frio”.
Ele pensa, então, em fazer uma fogueira com alguns de seus livros, para esquentar-se, mas quando começa a pensar em quais obras queimar, encontra razões até mesmo para preservar livros de “prosa barata”.
Quem tem um sentimento especial e, vá lá, romântico pelo objeto físico do livro, vai se sentir muito bem representado e se reconhecer em muitas passagens de “A paixão pelos livros”. Para aqueles que não conseguem entender essa predileção, essa paixão, que muito em breve pode se tornar um mero fetiche, os textos reunidos em “A paixão pelos livros” explica muita coisa. Faria bem ler para, quem sabe, entender essa cada vez mais rara espécie de leitor. E, quem sabe, sendo bastante otimista, ser contaminado por essa “loucura mansa”.