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Educação emancipatória

26 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Todo conhecimento de si como inteligência está no domínio de um livro, de um capítulo, de uma frase, de uma palavra” – Rancière.

Jacques Rancière, em O mestre ignorante, apresenta as cinco lições sobre a emancipação intelectual decorrentes da história do francês Joseph Jacotot (1770 – 1840), professor e filósofo da educação. Jacotot, estudioso ardoroso do Século das Luzes, no ano de 1818 deparou-se com uma situação inusitada: ensinar a língua francesa a alunos holandeses que ignoravam o francês, assim como ele ignorava o holandês. O professor resolveu utilizar uma edição bilíngue, Télémaque, e deparou-se com um surpreendente resultado positivo dos alunos na execução das tarefas. Sua descoberta foi revolucionária: não há necessidade das explicações para haver aprendizagem; pelo contrário, a palavra do mestre verdadeiramente torna muda a matéria dada, pois condiciona o aprendiz ao recebimento da explicação. Para o professor Jacotot, mais do que a concepção de um novo método, tratou-se do estabelecimento de uma proposição pedagógica que tivesse a liberdade como princípio e a emancipação como método. 

O método emancipador permite que qualquer pessoa possa ensinar algo, mesmo que seja ignorante no assunto, através da exercício da inteligência. O mestre emancipador, pois, deve ser um ignorante, pois enquanto ensina algo que ignora, estimula seu aluno a pensar por si mesmo.

Como analisa Carlos Skliar, professor de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, em artigo: “A linguagem de aforismo é uma das questões que mais têm me chamado a atenção no estilo do texto de Rancière, pois frases como “tudo está em tudo”, ou “compreender é a causadora de todo o mal”, ou “o único erro seria tomar nossas opiniões como verdades”, ou “quem não conhece a verdade busca por ela”, ou ainda “é o explicador que tem necessidade do incapaz” – para citar alguns exemplos – remetem o leitor a uma leitura diferente, que difere de outras leituras e de outras escritas. Do mesmo jeito que o livro de Rancière, o aforismo não deveria ser um objeto de compreensão, ao menos não no sentido que a moral e/ou a ética o pretendem. Deve ser, isso sim, olhado, tocado, sentido, ou bem nada. Como o livro de Rancière, como a aventura intelectual de Jacotot, como a pedagogia mesma. O livro, Rancière mesmo, e Jacotot são, sem lugar a dúvidas, uma rara junção de aventuras intelectuais transformadas em sutis e ambíguos aforismos. Nos deixam, a nós leitores de poucas palavras, no meio de uma sombra e de um turbilhão de novas e velhas idéias, e cuja leitura não pode ser uma rápida tradução em discurso pedagógico rançoso, em reforma educativa etérea, em simples mudança curricular. Para o Skliar, o livro é “como um tumultuoso espelho e que retrata tanto o que temos feito da pedagogia e o que a pedagogia tem feito conosco, quanto reflete o que não temos feito da pedagogia e o que a pedagogia não tem feito conosco”. Pois tanto Jacotot como Rancière dizem que é preciso inverter a lógica da explicação, do sistema explicador da pedagogia, da pedagogia que é somente explicação. Nas palavras do professor: “[…] a explicação não é outra coisa que a invenção da incapacidade do outro. Explica-se, pois se tem criado com antecedência um incapaz que precisa da explicação. A invenção da incapacidade do outro é o que permite o nascimento da figura do explicador”.

Rancière, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, traça um paralelo entre o mecanismo de manipulação da ideia de ignorância como base justificativa para estabelecimentos de níveis hierárquicos, tanto na escolarização, como na política: “O que está no centro de “O Mestre Ignorante”, e que tomei de Joseph Jacotot (1770-1840), é a ideia fundamental de que a igualdade não é um objetivo, mas um ponto de partida a verificar, o que quer dizer que se deve agir na pressuposição de que falamos a iguais, de que agimos com iguais. Tentei desenvolver isso à esfera política pública, dizendo que existe democracia contanto que haja o reconhecimento de uma capacidade de pensar que pertence a todos, e que se opõe a toda capacidade de pensamento que seja especializada.

“O que vemos hoje é o poder dos experts. A ideia da democracia atualiza essa capacidade de todos. Isso não quer dizer que todos participem do governo, isso jamais aconteceu, mas sim que se busca organizar formas de vida coletiva fundadas sobre essa ideia de uma capacidade partilhada, diferente das lógicas tradicionais de partidos revolucionários, de vanguarda, ou fundados na ciência. A política foi pensada como uma forma de governar os ignorantes, e na democracia os que governam não são nem mais ignorantes nem mais sábios que os outros”.

Com tradução de Lílian do Valle, O mestre ignorante foi publicado pela primeira vez no Brasil pela editora Autêntica em 2002 e, então, distribuído gratuitamente entre professores em formação no Rio de Janeiro.

 

 

O MESTRE IGNORANTE – CINCO LIÇÕES SOBRE A EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL

Autor: Jacques Rancière
Editora: Autêntica
Preço: R$ 43,00 (192 págs.)

 

 

 

 

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