Ariano Suassuna nasceu em junho de 1927. No na seguinte, sua família mudou-se para a Fazenda Acauhan, no sertão da Paraíba, pois seu pai, João Suassuna, então recente ex-governador, temia ações de inimigos políticos. João foi morto em 1930, mesmo ano em que Ariano iniciou seus estudos. A família então mudou-se para Taperoá e, sete anos depois, para Recife, onde Ariano intensificou seu contato com a literatura. “Comecei a querer ser escritor aos 12 anos, quando fiz meu primeiro conto. Na época, era um assassino terrível. Quando não sabia o que fazer com um personagem, matava”, contou. Em 1945, teve publicado seu primeiro texto, o poema “Noturno”, no Jornal do Commercio. Ao longo de sua vida, seguiu escrevendo peças, romances, poemas, ensaios, teses. Enquanto membro fundador do Conselho Nacional de Cultura e Diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPE, articulou o Movimento Armorial, defendendo a criação de uma arte nordestina erudita, concebida a partir de suas raízes populares.
Ao completar 80 anos de idade, em 2007, Ariano Suassuna foi homenageado em todo o Brasil pela grandeza de seu trabalho. Pouco antes, dissera: “A literatura é uma forma de protestar contra a morte”.
O Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta é narrado como um romance autobiográfico de Dom Pedro Dinis Ferreira-Quadrena, que proclamara a si mesmo “Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe, Profeta da Igreja Católico-Serteneja e pretendente ao trono do Império do Brasil”. Quaderna é obcecado pela ideia de criar uma versão essencialmente nordestina para o livro Compêndio narrativo do peregrino da América Latina, de Nuno Marques Pereira, descrevendo-se como descendente dos verdadeiros reis brasileiros, que nenhuma relação teriam com aqueles “imperadores estrangeirados e falsificados da Casa de Bragança”: seus antepassados eram os legítimos reis castanhos e “cabras” da Pedra do Reino do Sertão, fundadores da sagrada Coroa do Brasil.
O livro é por muitos considerado a obra prima do autor. Em meio ao episódio histórico, ocorrido no século XIX, no município sertanejo de São José do Belmonte, interior de Pernambuco – no qual um grupo fanático acreditou por meio de sacrifícios humanos poder fazer ressurgir o rei Dom Sebastião, transformado em lenda em Portugal depois de ter desaparecido durante a batalha africana de Alcácer-Quibir –, encontram-se as desventuras de Quaderna e a trágica história de sua família. A história, baseada na cultura popular nordestina e inspirada na literatura de cordel, nos repentes e nas emboladas, é dedicada ao pai do autor e a mais doze “cavaleiros”, dentre os quais Euclides da Cunha, Antônio Conselheiro e José Lins do Rego.
O sentimento sebastianista ainda hoje é lembrado em Pernambuco, durante a “Cavalgada da Pedra do Reino”, manifestação popular que acontece anualmente no local onde os inocentes foram sacrificados pela volta do rei.
Suassuna iniciou o Romance d’A Pedra do Reino em 1958, e o concluiu mais de uma década depois. Foi publicado pela primeira vez em 1971. Quando da conclusão, o escritor percebeu o que o que o levara a escrever o romance fora a tragédia pessoal da morte do pai, quando tinha apenas três anos de idade, aliada a uma reação contra o conceito vigente na época, maniqueísmo entre as forças rurais, associadas ao obscurantismo, e o contexto urbano, associado ao progresso. O livro é uma reverência literária à cultura caboclo-sertaneja nordestina, respeitando aquilo que mantiveram de marcas das tradições do mundo ibérico trazidas pelos primeiros colonizadores europeus e perpetuadas ao longo dos séculos. Segundo Carlos Drummond de Andrade, um “romance-memorial-poema-folhetim”.
Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em dezembro do ano passado, Suassuna falou sobre o romance que recentemente terminara, no qual trabalhava há 33 anos e cujo primeiro volume, depois de seguidamente postergado, enfim havia concluído, apesar de seus problemas de saúde. Trata-se do primeiro livro do que o autor disse considerar como a obra de sua vida, que seria composta por sete volumes, marcados pela mistura entre romance, poesia, teatro e gravura. A obra ainda não tem previsão de lançamento, consiste num romance epistolar, intitulado O Jumento Sedutor, em homenagem a O Asno de Ouro, escrito por Lucius Apuleio, no século 2. À série, Suassuna deu o nome de A Ilumiara.
Na entrevista, o escritor, que acabara de sofrer um infarto, disse: “Poucos dias antes de adoecer eu dei uma entrevista em que me perguntaram se eu tinha medo da morte. E eu disse: eu não gosto de contar valentia antecipada, acho que a gente só pode dizer que não tem medo de alguma coisa depois de enfrentá-la. Agora, até onde eu vejo, eu não tenho medo da morte. Eu tenho pena de morrer sem ter realizado certas coisas. Por exemplo: se visse que não dava para terminar o romance que escrevo, aí teria muito pena de morrer. […] Primeiro eu dividi o livro grande em vários livros. Cada capítulo do livro é escrito em forma de cartas, sob certo aspecto é um romance epistolar, e toda carta termina do mesmo jeito. Porque eu digo lá que fiz um pacto com Deus, e fiz mesmo: se ele achasse que o romance tinha alguma coisa de sacrílego ou de desrespeitoso, que interrompesse pela morte –coisa com a qual desde agora eu me declaro de acordo. Meu acordo não vale nada num caso desse, mas por outro lado tem uma vantagem. É que eu dou ideia da minha conformidade e da minha resignação e tô conseguindo, com a minha megalomania, um parceiro extraordinário. O primeiro volume são seis cartas, todas seis terminam do mesmo jeito, com as mesmas palavras. […] todas terminam com um verso, um martelo gabinete e um martelo agalopado [martelos são formas poéticas usadas pelos cantadores nordestinos]. O martelo gabinete é um martelo de seis versos de dez sílabas, e o martelo agalopado são dez versos de dez sílabas. Deixa eu ver se me lembro do martelo. Diz assim: “O circo, sua estrada e o sol de fogo/ Ferido pela faca na passagem/ meu coração suspira sua dor/ entre os cardos e as pedras da pastagem./ O galope do sonho, o riso doido/ e late o cão por trás desta viagem”. E o martelo agalopado diz: “Pois é assim: meu circo pela estrada/ Dois emblemas me servem de estandarte/ No sertão, o arraial do bacamarte/ Na cidade, a favela consagrada/ Dentro do circo há vida, onça malhada/ Ao luzir do teatro o pelo belo transforma-se num sonho, palco e prelo/ e é ao som deste canto na garganta que a cortina do circo se levanta para mostrar meu povo e seu castelo”. Então se eu morrer o romance está terminado”.
O Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta encontra-se esgotado, disponível apenas em sebos ou em formato digital (e-Pub).
ROMANCE D’A PEDRA DO REINO E O PRINCIPE DO SANGUE DO VAI-E-VOLTA
Autor: Ariano Suassuna
Editora: Jose Olympio
Preço: R$ 52,29 (756 págs.)
– Formato e-Pub –