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Aqui é a fronteira

19 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O beijo de Judas

O novo livro de Amós Oz, Judas, tematiza com profundidade e lirismo a traição, sobretudo ideológica, e seus versos e reversos. O escritor é conhecido por defender uma solução menos belicista ao conflito judaico-palestino: a dissolução do território em dois países, Israel e Palestina; por isso, é visto como um “traidor” da causa israelense. O título alude a isso, de maneira irônica e precisa. Seu romance tece uma reflexão lúcida sobre o destino do povo judeu, as cicatrizes históricas e individuais na infindável guerra, que remonta a tempos imemoriais.

A traição conforme colocada por Amós Oz, porém, traz uma ideia diferente da usual, alguém considerado em traidor pode ser o mais leal dos indivíduos, alguém à frente de seu tempo que deve tomar decisões impopulares, ainda que necessárias.

Judas é um exemplo notável da densidade da literatura de Oz. Seu protagonista, Shmuel Asch, um estudante que se vê em apuros no inverno de 1959: além de abandonado pela namorada, seus pais vão à falência e não podem mais sustentá-lo, motivo pelo qual ele é obrigado a abandonar seus estudos universitários e a interromper a pesquisa ali vinha desenvolvendo, sobre a figura de Jesus sob a ótica dos judeus. A solução inusitada que lhe aparece oferece-lhe moradia e emprego, numa antiga casa de pedra, situada num extremo de Jerusalém: sua função, durante algumas horas diárias, será servir de cuidador para o dono da casa, Guershom, um intelectual idoso e idiossincrático, cuja invalidez exige um acompanhante que seja, sobretudo, seu interlocutor, alguém que escute suas conclusões sobre o tema que o ocupa: a natureza criminosa de todas as crenças e ideologias redentoras. O protagonista, a princípio socialista, aos poucos absorve esse ceticismo. Na casa, habita outra personagem, uma mulher, bela e impetuosa, com quase o dobro de Shmuel, viúva do filho falecido de Guershom. O rapaz sente-se atraído por ela, até que a curiosidade e o desejo transformam-se numa paixão sem futuro.

É um romance lírico, que revive o cenário da Jerusalém dividida em meados do século XX. Entremeados à narrativa, Oz coloca questionamentos sobre o estabelecimento de um estado para os judeus, seus caminhos históricos e com suas consequentes guerras.

Em um capítulo, Judas, o próprio personagem bíblico, aparece como personagem. Na versão de Oz, Judas não vendeu Jesus por dinheiro; ele teria sido o mais fiel e fervoroso dentre os seguidores de Jesus e acreditado piamente que seu mestre, o verdadeiro Messias, desceria da cruz, à vista de todos, e inauguraria a paz sobre os homens.

O romance, ao todo, é delicado composto por movimentos sutis entre as personagens, dramaticamente humanas.

O jornalista Jerônimo Teixeira, em artigo, conta que, em Tel-Aviv, a caminho da casa de Amós Oz para entrevistá-lo, conta a reação do motorista de taxi que o levava: “Você vai ver Amós? Amós Oz?”, pergunta, em inglês, o motorista de táxi — magro, óculos escuros, cabelo grisalho com rabo de cavalo — ao ser informado do endereço em Ramat Aviv, bairro elegante de Tel-­Aviv. Não, ele não conhece pessoalmente esse que talvez seja hoje o maior dos escritores israelenses […]. O passageiro pergunta se o taxista leu algum dos livros de Oz, e o tom da conversa logo muda de amistoso para beligerante. “Não, eu não concordo com o que ele pensa”, responde o motorista. E engata um longo discurso sobre a absoluta impossibilidade de paz entre israelenses e palestinos. “Não podemos negociar com esses animais”, diz”. O jornalista conta que, ao chegar à casa do escritor e contar-lhe o ocorrido, ouviu a seguinte resposta: “Israel é um país de 8 milhões de cidadãos, 8 milhões de primeiros-ministros, 8 milhões de profetas e messias. Todos acham que sabem o que é melhor. Taxistas, quando me reconhecem de alguma entrevista na televisão, de imediato começam a me educar em política e literatura”, diz. Adiante na entrevista, porém, ele fala de traição […] e volta ao motorista: “Por toda a minha vida, fui chamado de traidor por causa de minhas posições políticas. Suponho que seu taxista deva pensar que sou um traidor. Mas, em alguns casos, o título de traidor vale por uma medalha de honra”, diz, fazendo o gesto de quem prega uma condecoração na própria camisa. Oz esclarece que não está falando do “traidor trivial”, que vende sua lealdade por dinheiro, mas de pessoas que afrontam a resistência a mudanças de seu tempo e lugar. Cita exemplos históricos como Abraham Lincoln, que, ao abolir a escravidão nos Estados Unidos, terá sido visto como traidor por metade do país. E houve traidores na sua vizinhança: “Quando o presidente egípcio Anuar Sadat veio a Israel para firmar o acordo de paz, grande parte do mundo árabe o chamou de traidor. Quando o primeiro-ministro israelense Menachem Begin devolveu o Sinai a Sadat em troca de paz, muitos israelenses o chamaram de traidor”.

Segundo Alberto Manguel, em Judas, Amós Oz revolve, com profunda inteligência e paixão, o próprio coração da tragédia palestina.

A Companhia das Letras disponibiliza um trecho para visualização.

 

 

JUDAS

Autor: Amós Oz
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 31,43 (368 págs.)

 

 

 

 

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