Um dos temas desenvolvidos nos romances brasileiros assim chamados regionalistas, escritos, sobretudo, a partir da segunda fase do modernismo, foi o garimpo. Prática socialmente deplorável, mas rica enquanto base para o pensamento literário, que a extrapola e a toma em seu contexto geral, iluminando ângulos pelos quais mostra como ela colocou as pessoas a seu redor em situações-limite.
Entre a riqueza em estado bruto, estabeleceu-se a miséria assegurada pela exploração e seus capangas. Desenvolvido em regiões de natureza árdua, habitadas por pessoas e relações que refletiam a dureza exterior, o garimpo gerou metáforas encarnadas: naturezas humanas ávidas.
Cascalho, de Herberto Sales, foi publicado pela primeira vez há setenta anos, em 1944. Foi o primeiro romance – escrito aos seus 27 anos de idade – do escritor que, em 1977, seria eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
Centrado do tema da mineração diamantífera na região da Chapada Diamantina, mostra a vida nos garimpos e suas regras próprias: o coronelismo, a capangagem, a árdua exploração. Herberto Sales explora as implicações sociais, econômicas e morais, bem como as particularidades geográficas da então situação garimpeira baiana.
Um romance sociológico e político. Expõe as relações de poder e a exploração e submissão do homem do garimpo pelo coronelismo, apresentando personagens arquetípicos daquele contexto, como os capangas ou as “mulheres-damas”. Também ilustra o papel do Rio Paraguaçu, a contingência da vida à mercê da força de suas águas, construindo uma identidade do homem do garimpo.
Pium, romance de Eli Brasiliense (1915 – 1998), foi publicado pela primeira vez em 1949. Premiado com a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, é atualmente um livro pouco comentado. Sua relevância literária e histórica, contudo, desenha-se pela análise de seu papel na formação de uma literatura goiana regional. A obra, voltada aos problemas do garimpo, ao ambiente degradado de suas áreas, é considerado o primeiro verdadeiro romance surgido nas terras de Goiás. Segundo José Godoy Garcia, trata-se de “uma obra que pode ombrear-se com as melhores de muitos romancistas de renome (e estou me lembrando da obra de Zé Lins do Rego”.
O livro trabalha dualidades, a partir das quais desdobra problemas de identidade sexual, social, econômica e cultural. O deslumbramento da filha única de uma família paupérrima com a única loja de roupas da cidade forma um espaço lúdico que, símbolo de conforto, de sensualidade, ilustra a perda da ingenuidade sobre a verdadeira condição econômica da família, espartana e moralmente rígida.
“Zé do Carmo não conciliava o sono. Cismava dentro da escuridão. Davam cambalhotas pela sua cabeça os mais desencontrados pensamentos. Lembrava-se de tempos longinquos, quando era bem jovem. Como tinha sido bom o seu tempo de barqueiro! Forte, peito largo, bom no remo e no varejão, batuta numa cúia de jacuba!”
De ouro e de Amazônia, foi o último romance escrito por Oswaldo França Júnior, publicado em 1989. Conta a história de Adailton, que, desde menino, precisa trabalhar para ajudar sua família. Ele deseja montar seu próprio negócio e, para juntar o capital necessário, decide procurar ouro no norte do país.
O livro descreve a conturbada trama social brasileira que a floresta e os garimpos resguardam. Lugares para onde miseráveis vão, atrás do sonho de fortuna repentina, retrato de uma situação arquetípica no país.
É notável o dinamismo verbal do romance e como este acompanha a dinâmica das personagens. Através dele, o vislumbre da possibilidade de conseguir a tão almejada estabilidade financeira acaba por conduzir o protagonista, entretanto, a vaguear pelo romance: verdadeira fuga que mascara, enquanto desejo de identidade social e conseqüente necessidade de dinheiro, um vazio existencial.
Banana Brava, de José Mauro de Vasconcelos, foi publicado em 1942. Foi o romance de estréia do escritor que viria a se tornar célebre por romances como Meu pé de laranja lima ou Rosinha, minha canoa. É uma obra que reflete um mundo ganancioso e impiedoso, a terra da “banana brava”, aquela que jamais frutifica. Escrito com base na vivência do autor entre índios carajás e garimpeiros, o livro tem uma linguagem rústica e brutal – a própria representação daquela “vida que pretende copiar” sem suavizar, uma vida esfacelada, minada pelo trabalho do garimpo no sertão goiano.
José Mauro acompanhou os irmãos Villas-Boas na exploração da região do Araguaia, uma experiência extremamente marcante em sua produção literária. Banana Brava é o primeiro romance a apresentar essa influência.
A trama desenvolve-se sobre dois protagonistas e sua amizade. Um deles, Gregorão, é um homem dotado de muita força e pouco juízo, que não obedece a ninguém, exceto a Joel. Este, por sua vez, é um rapaz franzino, mas sagaz. Formando uma dupla, eles percorrem as regiões de garimpo, atrás de uma riqueza que nunca encontram. Uma busca que esconde suas simples tentativas de esconderem-se da vida.
A exploração garimpeira metaforiza o mundo mercantil, suas desigualdades, o modo de vida que impõe, a articulação social que outorga, as trocas simbólicas que estipula.
Literariamente, é base para o desenvolvimento de questões sobre a poética dos espaços, como concebida sobretudo por Gaston Bachelard, propondo imbricações entre a topoanálise e a formação dos espaços psicológicos.
O garimpo é também parte importante da história brasileira e, ainda, um bom argumento ilustrativo de nossa lógica política, econômica e social: imprevidente, coronelista, imediatista.
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Nota.
O romance A mulher do garimpo – O romance do extremo sertão do Amazonas, de Nenê Macaggi, não figura em nosso guia senão como nota de rodapé, por estar esgotado, mesmo em sebos. Este ano, no entanto, no dia 24 de abril, homenageou-se a autora com o 1º Festival Nenê Macaggi e, no evento, a governadora de Roraima, Suely Campos, anunciou a reedição das obras de Macaggi, tão influentes para o desenvolvimento literário e intelectual roraimense e amazônica.A mulher do garimpo foi publicado pela primeira vez na década de setenta. Sua autora, nasceu no Paraná, em 1913, e, no início da década de quarenta, jornalista e escritora já conhecida, mudou-se para Roraima, enviada pelo então presidente Getúlio Vargas para desenvolver um trabalho jornalístico que pormenorizasse a situação da região. Macaggi é considerada não somente uma escritora roraimense, como a verdadeira inauguradora do discurso literário do estado.
O romance desenvolve o projeto de criação de uma identidade amazônica. Descreve as dificuldades da vida dos garimpeiros, discute a demarcação dos territórios, aponta problemas decorrentes da migração e questões indígenas. Sobretudo a questão feminina é abordada: a situação das viúvas do garimpo, a prostituição alastrada, como único meio de sobrevivência, a morte precoce dos filhos.