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Imagem e pensamento

7 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Goya não é somente um dos principais pintores de sua época: é também um dos pensadores mais profundos daquele período.”

Tzvetan Todorov, semiólogo e historiador de origem búlgara, em Goya à sombra das luzes analisa a influência da filosofia iluminista e as consequências de uma doença na obra do artista Francisco Goya. O livro acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Joana Angélica d’Avila Melo.

Em entrevista, publicada no jornal Corriere della Sera, Todorov afirmou: “Como Goya, temo o messianismo político”. Para o autor, Goya foi “um intelectual que conseguiu refletir de modo profundo sobre o que acontecia ao seu redor”; segundo sua análise, “ele era muito influenciado pelos iluministas espanhóis do final do século XVIII e assistiu à invasão da Espanha do lado das tropas napoleônicas que combatiam, pelo menos teoricamente, em nome dos direitos humanos e dos ideais das Luzes. O espetáculo das atrocidades cometidas tanto pelos franceses quanto pelos guerrilheiros espanhóis o fez refletir sobre a guerra. Foi assim, antecipadamente aos seus tempos, que podemos considerá-lo como um contemporâneo”. 

No final de 1792, Goya contraiu uma doença misteriosa que o deixou totalmente surdo. De acordo com Todorov, a surdez repentina e completa, marcou uma profunda transformação em seu modo de pintar, desenhar e ver o mundo. A partir de então, Goya começou a concentrar-se cada vez mais nas visões ditas “fantasmáticas” que o obcecavam, mergulhando na obscuridade da natureza humana e criando séries radicalmente experimentais, como os Caprichos e os Desastres da guerra. Todorov, a partir da influência das ideias iluministas sobre o pintor espanhol, esmiuça as relações entre filosofia, estética e história na gênese de seus trabalhos-chave.

Relacionando os interesses intelectuais com a experiência pessoal, Todorov é conhecido como um intelectual que percorre confortavelmente todo o campo humanístico. De modo geral, pode-se traçar, no conjunto de sua obra, a recorrência variada de temas relacionados à alteridade cultural. Enquanto imigrante búlgaro vivendo na França, Todorov debruçou sua sensibilidade para o encontro dos ameríndios com os europeus no século XVI. Hoje em dia, ele consegue identificar a intolerância do totalitarismo, mesmo disfarçada como uma messiânica cruzada pelos direitos humanos “universais”. Em outra entrevista, Todorov analisou: “Somos filhos do Iluminismo, mas nossa relação com algumas de suas ideias é muito diferente. Os direitos humanos não só foram construídos numa época específica, como correspondem a um tipo específico de sociedade ocidental. Há outras sociedades que não reservam um lugar especial ao indivíduo, mas à coletividade, ao grupo. Neste sentido, os direitos humanos não são verdadeiramente universais”.

A invasão da Espanha pelas tropas napoleônicas em nome dos direitos humanos e dos ideais das Luzes mataram e trucidaram e Goya assistiu de perto e registrou as atrocidades cometidas tanto pelos franceses quanto pelos  espanhóis. Porém, dois séculos depois de Goya, continuamos matando em nome dos direitos humanos, da democracia e da liberdade. É nesse sentido que o livro de Todorov fala tanto sobre a Espanha do Iluminismo quanto sobre as guerras humanitárias de hoje. “É tão fácil matar em nome dos direitos humanos quanto em nome de Deus”, Todorov declarou recentemente em entrevista. A armadilha do messianismo político encobre-se por trás do uso da bandeira dos direitos humanos para justificar ações violentas. Para o crítico, “Os horrores dos regimes totalitários nos ensinaram que Goya era um pintor realista, e não fantasmagórico. Somente depois do Holocausto fomos capazes de entender Goya”.

A Companhia das Letras disponibiliza a visualização das páginas iniciais do livro.

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“A revolução pictórica que se manifesta através da obra de Goya faz parte de um movimento que inclui o fortalecimento do espírito iluminista, a progressiva secularização dos países europeus, a Revolução Francesa e a crescente popularidade dos valores democráticos e liberais. Essa solidariedade não tem nada de fortuito: a pintura nunca foi simples jogo, puro divertimento, elemento decorativo arbitrário. A imagem é pensamento, tanto quanto aquele que se exprime por palavras; ela é, sempre, reflexão sobre o mundo e os homens”. 

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GOYA À SOMBRA DAS LUZES

Autor: Tzvetan Todorov
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 34,65 (312 págs.)

 

 

 

 

 

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