Uma justa homenagem a uma grande escritora brasileira chamada Hilda Hilst. Morreu há exatos 9 anos, e os textos que guardo mais vivos na memória são os de sua “tetralogia pornográfica”: Caderno Rosa de Lori Lamby, Contos d’escárnio. Textos Grotescos, Cartas de um sedutor e Bufólicas. Foi um ato consciente quando Hilda Hilst resolveu “escrever este livro porque ao longo da minha vida tenho lido tanto lixo que resolvi escrever o meu”. Aos 60 anos de idade, como o narrador Crasso dos Contos d’escárnio, o lirismo da poesia de Hilda cede lugar a zombaria.
A escatologia enoja os puritanos, os moralistas de araque. Não é possível que não se deliciem com tal construção: “Todo mundo quando me via dizia: lá vai o Crasso, filho daquela da crassa putaria. Eu ficava com os olhos úmidos mas logo em seguida, apesar da minha timidez, mostrava o pau”; é o início de uma incrível rapsódia travestida de obscenidade. Na minha opinião, é na prosa satírica onde a lucidez crítica atinge seu mais alto grau de perfeição. A dimensão política é inegável: aos olhos do leitor atento, cúmplices do despudor, da poesia e do riso, o livro transforma-se numa “síntese amplificada, vale dizer, obscena e cruel, de todas as obscenidades dissimuladas, institucionalizadas, normalizadas e naturalizadas na paisagem brasileira e humana”, nas palavras de Alcir Pécora.
Foi em 2001 que a Editora Globo comprou os direitos da obra de Hilda Hilst e passou a reeditar a Obra Completa da escritora. Quase todos os volumes já estão disponíveis em ebook, para deleite do jovem leitor. Mas que as palavras de Jocasta sirvão-lhes de sobreaviso: “Já dizia um rei: um livro nas mãos é uma foda de menos”.