matraca

Linguagem densa

19 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

HISTÓRIA INVISÍVEL

Era o vento entrando

pela casa, abrindo seus recessos

em varandas, instando pelo

espaço sem limites, até

se defrontar com o espelho

e logo se deter, cristalizado.

 

Adivinhação da leveza, de Duda Machado, é composto por 69 poemas que trazem alguns olhares sobre a linguagem e sobre o mundo, poemas em que cotidiano, memória e reflexão estética se entrelaçam com graça e ironia. O poeta baiano quebrou com este livro (publicado em 2011) um jejum editorial de quatorze anos após a publcação de Margem de uma onda – que sucedera em sete anos o livro Crescente, coletânea de sua poesia completa até então. A poeta e tradutora Simone Homem de Mello, em resenha do livro escrita para a revista Zunái, comenta: “Ao contrário dos lacônicos esporádicos, Duda é um lacônico intenso, de modo que os quatorze anos aparentemente transcorridos em silêncio estão presentificados, tangíveis, condensados em menos de 80 páginas”. Para Duda Machado, como diz um de seus poemas, ‘o passado volta ou sequer/se foi, enquanto se transforma;/o passado/ainda está para ser;/entretanto,/subsiste/a leveza de lidar/com o que te vais tornando’.

Em entrevista, ele resume: “Adivinhação da leveza é um verso que concluiu um poema em torno da persistência e das modificações do passado. Acho um livro com diferenças decisivas em relação ao anterior, Margem de uma onda. O primeiro marco diferencial é que a maior parte dos poemas está concentrada no tópico da memória, como se os fossem compondo uma espécie de poema único.  Para chegar a eles, o tempo se impôs e, com ele, a memória”. Questionado sobre o modo como o passado torna-se matéria-prima de sua poesia, responde que “implicitamente”: “O poeta trabalha de todos os modos e sempre. Ao escrever, está sempre dentro de uma combinação de memória (pessoal, de poemas de outros) e de certa invenção que se exerce sobre estas memórias”.

Simone Homem de Mello, na referida resenha, refletindo sobre o percurso do passante no tempo na poesia de Duda Machado, analisa que “Adivinhação da Leveza rompe qualquer expectativa de resgate do ponto de partida ou da origem, e o discurso ágil-eólico – em meio ao peso das palavras-pedras – se defronta com o espelho e, cristalino, passa a delinear seus próprios meandros”. Segundo ela há, em sua poesia, um “discurso-itinerário”, que “rastreia-se a si próprio e passa a enveredar por paradoxos temporais, fazendo a descontinuidade do tempo coincidir com sua própria. Agora o que foi / te atrai para ser de novo / onde podes estar. Não / pelo que foi / o que foi, mas / por o que foi não / ser mais. (“Agora”)”.

Fabio Weintraub, em artigo traça um breve retrospecto da carreira do poeta: “Apesar de haver estreado tarde (no fim dos anos 1970, com mais de trinta anos) e de ter publicado relativamente pouco ao longo da vida, o poeta baiano Duda Machado (Carlos Eduardo Lima Machado, nascido em 1944) participou ativamente da agitação tropicalista dos anos 1960/70. Dedicando-se mais tarde à carreira de tradutor e professor universitário (desde 1998 integra o corpo docente da Universidade Federal de Ouro Preto), foi amigo e interlocutor de Torquato Neto (que se hospedou na casa de sua família quando, ainda adolescente, foi estudar na Bahia) e de Caetano Veloso, parceiro de Jards Macalé (em canções como “Hotel de estrelas” e “Sem essa”) e diretor de espetáculos musicais do próprio Macalé e de Gal Costa”. Segundo Weintraub, ao mesmo tempo, “Duda foi um dos responsáveis pelo diálogo entre concretos e marginais, forças contrárias que acabaram por se aproximar ao longo dos anos 1970. […] Anos mais tarde, encontraremos na poesia de Duda marcas da despolarização progressiva entre marginais e concretos e de uma espécie de síntese entre vitalismo e disciplina, confessionalismo e rigor”. Para o crítico, o poema “Tatuagem enigmática” (publicado em seu livro de estreia, Zil, em 1977) já apresenta, além do “cruzamento entre a dimensão social e a metalinguística”, outras das muitas “tensões que encontrarão desenvolvimento posterior na obra de Duda Machado parecem figurar in nuce”. De acordo com sua análise, “muito provavelmente isso é fruto do momento de urgência histórica em que ele foi composto e também da posição relativamente excêntrica ocupada por Duda, a qual lhe permitiu assimilar contribuições de movimentos em disputa no campo da produção cultural daquele período, conforme procuramos sugerir. A maneira pela qual nele se associam civismo e crime, arte e infração, corpo e letra… revela um caminho fecundo para a representação poética da violência; resposta singular aos desafios enfrentados por grande parte da poesia produzida no Brasil desde fins dos anos 1970”.

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TENTATIVA

Onde o que se tornou tarde se

contempla no que uma vez

deixou de ser

e agora se deixa

enredar, como se pertencesse

ao fluxo do que se aniquilava

no instante mesmo daquele antes;

 

estar de novo aonde

cedo e tarde

possam ser apenas

distinções do agora.

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ADIVINHAÇÃO DA LEVEZA

Autor: Duda Machado
Editora: Azougue Editorial
Preço: R$ 37,90 (80 págs.)

 

 

 

 

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