Conhecido por um olhar lírico e crítico, o fotógrafo e múltiplo artista Miguel Rio Branco, em Maldicidade, reúne fotografias realizadas entre 1970 e 2010, que retratam cenas urbanas de metrópoles ao redor do mundo, no Japão, nos EUA, no Brasil, em Cuba, no Peru.
Não há textos ou ensaios incluídos no livro. As imagens formam seu próprio discurso, poderoso, expressivo, sensorial.
São retratos sobre a vida urbana, mas, também, enquadramentos de uma sub-história das cidades, suas entranhas. Miguel Rio Branco aponta sua câmera para baixo, não para os grandes monumentos históricos ou arquitetônicos das cidades, mas para os marginais oprimidos, para a vida arenosa onde encontram-se as rotas de busca de comida de cachorros de rua e os ônibus urbanos superlotados, onde mendigos dormem e vendedores ambulantes oferecem doces caseiros. Seu foco são os marginalizados, prostitutas, vira-latas e pessoas de baixa classe social. Através de fotos com cores vibrantes, e com montagens e recortes paralelos, o resultado evidencia o paradoxo urbano, o mal de toda cidade.
O livro suprime também legendas nas fotografias que indiquem onde foram tiradas, o que confere uma crítica ainda mais ampla ao mal da cidade, à maldição dos citadinos, universalizando-a. Assim, o que ele oferece é, portanto, mais do que uma crítica, mas a narrativa sensorial do embate com a existência urbana. Uma narrativa profundamente lírica, ao mesmo tempo, um documento estimulante e árduo.
Christian Carvalho Cruz, em entrevista feita com o fotógrafo para o jornal O Estado de São Paulo, cita a poeta Adélia Prado, que diz que tudo no mundo movimenta-se em função de três coisas, sexo, morte e Deus; e, a esta afirmação, Miguel Rio Branco responde: “Meu trabalho é exatamente isso”. Na entrevista, o fotógrafo diz que seu trabalho nem sempre é pessimista e que Maldicidade, por exemplo, não o é; diz Rio Branco: “Maldicidade é um jogo de palavras pensando no francês mal d’amour. Você sofre de amor: ama, isso te dói e você não consegue evitar. Às vezes melhora, depois piora… Maldicidade é isso em relação às cidades. No Brasil não existe mais amor pelas cidades. Existe sedução, atração, como a que sentimos pelo abismo. Em 1978 eu fiz a exposição Negativo Sujo mostrando a situação de bangue-bangue no Nordeste. O Brasil continua em bangue-bangue. Esse Estado totalitário disfarçado de ajuda aos pobres é a maldicidade: não resolve porra nenhuma nas cidades. Mas vemos aqui e ali comunidades se organizando para viver de maneira alternativa”. O fotógrafo continua sua lúcida crítica: “Estamos dominados por um sistema falido, perverso, moralista e baseado no medo. A salvação é ter consciência, dividir e boicotar. Desobediência civil”. Sobre a maneira como a fotografia em geral tem sido encarada atualmente, ele diz: “A fotografia tomou o lugar da pintura descritiva, aquela coisa lambidinha que todo mundo sabe o que é. O tal boom da fotografia embute uma visão estética reacionária”.
Em resenha ao livro, Pedro Afonso Vasquez analisa: “O conhecedor da obra de Miguel Rio Branco é capaz de reconhecer no pungente labirinto de Maldicidade imagens que já figuraram em outros livros ou exposições, mas que aqui, combinados de forma diferentes estabelecem novos diálogos e criam significados distintos. Como se fossem trechos de filmes de época que mudam de sentido dependendo do uso ulterior que deles fazemos”.
A Cosac Naify disponibiliza um trecho para visualização.
Autor: Miguel Rio Branco
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 138,60 (400 págs.)