Artes Plásticas

Antropologia das imagens

24 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Sandro Botticelli

Sandro Botticelli

Os ensaios reunidos no livro A eloqüência dos símbolos – Estudos sobre arte humanista, foram escritos por Edgard Wind entre 1930 e 1970 e, portanto, abrangem panoramicamente sua produção intelectual. Wind, que foi o fundador da cadeira de História da Arte na Universidade de Oxford, foi aluno de Panofsky e Cassirer, dedicou-se a estudar, desde o início de sua carreira, os objetos artísticos à luz de seus contextos sociais. Sua especialização tornou-se a análise da herança da cultura clássica renascentista.

Nos textos dessa coletânea, Wind estuda temas como a filosofia da arte de Platão, o platonismo no “Quattrocento”, o universo religioso em Matisse e Rouault e a contribuição teórica de Aby Warburg. 

São ensaios que se encontravam dispersos, publicados em periódicos e livros, reunidos em 1983 por Jaynie Anderson e acrescidos de anotações, revisões e indicações bibliográficas preparadas pelo próprio autor.

Wind vem sendo apontado por críticos e historiadores de arte, tais como Georges Didi-Huberman, como um dos herdeiros mais próximos de Aby Warburg e de sua interpretação da história como sobrevivência.

Sobre sua relação intelectual com Warburg, lençol freático dos escritos reunidos neste volume, Ianick Takaes de Oliveira, no artigo “Warburg apud Wind: reflexões sobre o conceito de símbolo warburguiano” – apresentado no Simpósio Nacional de História Cultural, na USP, no ano passado –, sintetiza: “Edgar Wind (1900-1971) conheceu Aby Warburg (1886-1929) em Hamburgo em 1927, dois anos após sua saída da clínica do Dr. Binzwanger na Suíça; o estudioso hamburguês viria a morrer dois anos após. Nesse momento, Aby adentrava em sua sexta década, e Wind iniciava sua carreira acadêmica (nesse mesmo ano, começaria sua Habilitation com uma tese sob a orientação de Ernst Cassirer, que defenderia em 1929, a respeito de tópicos cosmológicos da filosofia neo-kantiana). O encontro e a curta amizade foram cruciais para ambos; Warburg diria de Wind que “ele sempre se esquecia que você [Wind] é um historiador da arte treinado […]”. Quanto a Wind, não só passou a trabalhar como auxiliar na Biblioteca de Warburg como travou longas conversas com seu fundador, tornando-se, ao lado de Fritz Saxl e Gertrud Bing, uma das pessoas do círculo íntimo do scholar hamburguês em seus últimos anos”. Para sistematizar o pensamento do notável intelectual que foi Warburg, Wind, segundo Oliveira, “elencou três pontos principais que considerava essenciais em seu mentor: (1) seu conceito de imagem; (2) sua teoria dos símbolos; (3)sua teoria psicológica da expressão. Quanto ao primeiro item, afirma em Warburg a convicção basilar de que a separação da imagem das outras funções culturais era uma supressão de seu elemento vital; a imagem emerge de um todo cultural. Dessa forma, Mnemosyne, palavra tão cara à Warburg, serve como lembrete ao Historiador da Arte de que sua atuação é a de um curador da existência humana e que a própria experiência da memória é objeto de pesquisa. Wind serve-se dessas posições para criticar a corrente formalista em História da Arte — personificada pelos precedentes Wölfflin e Riegl — que tendia a afirmar a autonomia do objeto artístico e de seu desenvolvimento. A respeito do terceiro item, da teoria psicológica da expressão, Wind visa esquadrinhar questões relativas à formação psicológica e orgânica da expressão: as imagens surgem da expressão do corpo e são transpostas empaticamente para um objeto que conterá doravante essa carga expressiva”.

A imagem desprendida de sua relação com a poesia suprime, em si mesma, o seu elemento vital. A Mnemosyne que preocupou tanto a Warburg como a Wind, resume em si a relação entre o material histórico e a memória social – o Atlas Mnemosyne é um estudo das imagens, que Aby Warburg deixou incompleto ao morrer e que encontra contiguidades com o princípio constelar de Benjamin, da cosmogonia antiga ao conceito geográfico, às representações literárias e ao âmbito crítico. Para Georges Didi-Huberman“Aby Warburg transformou o modo de compreender as imagens. Ele é para a história da arte o equivalente a que Freud, seu contemporâneo, foi para a psicologia: incorporou questões radicalmente novas para a compreensão da arte, e em particular a da memória inconsciente. Mnemosyne foi sua paradoxal obra prima e seu testamento metodológico: reúne todos os objetos de sua pesquisa em um dispositivo de “painéis móveis” constantemente montados, desmontados, remontados. Aparece também como uma reação de duas experiências profissionais:  a da loucura e a da guerra. Pode-se vê-lo, então, como uma história documental do imaginário ocidental (herdeiro, nestes termos, dos Disparates e dos Caprichos de Goya), e como uma ferramenta para entender a violência política nas imagens da história (comparável, nesse ponto, a um compêndio dos Desastres)”.

Como bem pontua a historiadora Fernanda Pitta, no artigo “Limites, impasses e passagens: a história da arte em Carlo Ginzburg”: “Para Wind, a novidade da contribuição de Warburg estaria na sua concepção quase “antropológica” de cultura, que colocava no mesmo patamar de interesse manifestações da assim chamada “alta” cultura (artes, filosofia, ciência) e crenças, costumes, além das atividades humanas cotidianas, entre elas as artesanais”.

 

wind

 

A ELOQÜÊNCIA DOS SÍMBOLOS – ESTUDOS SOBRE ARTE HUMANISTA

Autor: Edgar Wind
Editora: Edusp
Preço: R$ 40,60 (272 págs.)

 

 

 

Send to Kindle

Comentários