Literatura

Medeia

23 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Alphonse Mucha, cartaz para encenação de Medeia por Sarah Bernhardt

Medeia é uma personagem terrivelmente fascinante da mitologia. Bela feiticeira, estrangeira, errante, ferida na alma pelo amor. Apaixonada, sofrida, atordoada, matou, num delírio furioso, os próprios filhos. Poderosa e assustadora, nas palavras de Horácio: “seja Medeia feroz e invicta” (sit Medea ferox inuictaque). Não há apenas uma história de Medeia. Sua presença é múltipla, engloba de uma face benéfica a uma cruel. É por isso que Medeias latinas é um ótimo lançamento da Editora Autêntica: organizado e traduzido por Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, este rico volume traz a personagem pela perspectiva dos autores Ênio, Pacúvio, Lúcio Ácio, Varrão de Átax, Higino, Ovídio, Sêneca, Valério Flaco, Hosídio Geta, Ausônio e Dracôncio, em edição bilíngue português-latim espelhada.

Segundo o professor de Língua e Literatura Latina da UFPR Guilherme Gontijo Flores, “Márcio Gouvêa Júnior não é apenas um excelente compilador de mitos em sua versão romana – ele é um excelente tradutor, alguém capaz de devolver poesia àquilo que um dia foi poesia noutra língua, noutra cultura. E, convenhamos, isso importa, isso é o que importa; porque o leitor não vai se deparar com uma mera listagem enfadonha de variantes mitológicas. O que você tem em mãos, com estas Medeias latinas, é a chance de reexperimentar poeticamente as várias faces de Medeia dentro da cultura romana, de encarar o que há de variantes no seu conteúdo também pelas variantes da sua forma – o que só poderia ser feito por alguém que, além de erudito, é também um poeta”.

Nas palavras do organizador, em sua interessante tese, “Variae Medeae: a recepção a fabula de Medeia pela literatura latina”, defendida na UFMG, os “atributos da feiticeira estrangeira, porém, conferiam aos autores a faculdade de refletir sobre um dos problemas que mais constantemente enfrentavam os povos habitantes de Roma e de seus domínios: a lida com a barbárie. Contudo, Medeia não representava uma barbárie vencível e que a cultura romana poderia subjugar, mas a barbárie indômita e intransponível, que, em última análise, por contraste, definiria as fronteiras do Estado romano e da própria subjetividade do uir romanus”. Por isso, Gouvêa Júnior analisa, “por meio da análise da recepção literária da fabula Medeae Romae, foi possível aprofundar o próprio conceito do que era ser romano”. Segundo ele: “A fabula de Medeia – a narrativa literária sobre a feiticeira bárbara que, em sua épica juventude, foi levada pelos argonautas do desconhecido oriente para a Hélade como a salvadora da juventude grega e propiciadora de seu heroísmo, e que na sua trágica maturidade tornou-se um flagelo para a Grécia – foi das mais recorrentes narrativas da literatura latina. Desde os primórdios, a intriga das peripécias da princesa estrangeira representante do conflituoso convívio entre a sociedade clássica e sua alteridade bárbara foi recontada e atualizada por quase todos os poetas latinos, em um longo e elaborado processo de reescrita, de ressignificação e de reformulação de valores e de conceitos por ela simbolizados. Foi um processo norteado principalmente pelas profundas alterações ocorridas nas relações internacionais do Estado romano durante sua expansão territorial e sua afirmação como máxima potência bélica, cultural e econômica do Mundo Antigo”.

O mito de Medeia, com todas as suas variáveis, guarda em si, além se sua riqueza literária, um precioso legado cultural e histórico.

A Editora Autêntica disponibiliza visualização do livro.

 

 

MEDEIAS LATINAS

Editora: Autêntica
Preço: R$ 54,00 (312 págs.)

 

 

 

 

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