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Palavras visíveis

24 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O que faço com as palavras é fazê-las explodir para que o não verbal apareça no verbal”.

fotografia de Frédéric Brenner

O livro Pensar em não ver: escritos sobre a arte do visível, do filósofo francês Jacques Derrida, reúne ensaios sobre desenho, pintura, fotografia, cinema, videoinstalação.

Trata-se de uma coletânea inédita de textos do filósofo, publicados originalmente em algumas renomadas revistas de arte francesas, como a Cahiers du cinéma ou a Contretemps. A reunião dos ensaios realizada neste volume é um feliz acontecimento intelectual, pois tratam-se de textos esparsos que encontravam-se esgotados e dificilmente acessíveis. O volume traz ainda duas conferências nunca publicadas.

São textos escritos ao longo de vinte e cinco anos, de 1979 a 2004, e que configuram-se como testemunhos da reflexão sobre o primado filosófico do visível na arte; também sobre o deslocamento desta reflexão para questões de língua e linguagem, de palavras e de escrita.

Ao colocar em questão a inteligibilidade da arte, Derrida a inscreve, junto com o visível de maneira geral, no centro de suas preocupações sobre a escrita, tematizando assim a própria idiomaticidade artística. São, pois, mais do que reflexões sobre as artes visuais, mas verdadeiras investigações sobre a própria questão do que é visível que o filósofo tece ao longo destes ensaios. Derrida trata o visível como suporte de contrapontos entre o sensível e o inteligível, o luminoso e o obscuro.

Segundo ele, o problema do visível, seus limites e implicações, domina toda a história da metafísica ocidental. O deslocamento entre o que não é visível e o que é determina possibilidades de movimentação do pensamento. Estabelece a base de todos os valores do aparecer ontológico e fenomenológico – o fenômeno, a teoria, a evidência, a clareza ou a verdade, o “des-velamento” – que, por sua vez, instituem uma hierarquia dos sentidos.

Algumas das questões colocadas por Derrida são: a relação entre o reconhecimento de artistas e de  suas obras, sem tomá-los como instâncias equivalentes; a armadilha da diluição das singularidades em contextos homogeinizadores e extrínsecos à formulação dos problemas; a articulação de questões concernentes tanto ao campo do visível como do dizível em termos temporais; a penetração em um arsenal imagético cujas fontes documentais e registros são escassos ou inacessíveis; a abordagem da obra de arte tomada simultaneamente como sinal e sintoma, construção e ruína, probabilidades – inserida no território do plausível e do finito – e possibilidades – fronteiriças com o infinitos; a construção de um campo de análise em que aquilo que prevalece incide sobre aquilo que escapa, exatamente onde uma luz já posta parecia indicar que tudo já está conhecido; a colocação em cheque da noção de arquivo, que enquanto tela, ou fotografia, é experiência de memória e princípio arcôntico – começo e mandato, o lugar do ethos, em seu sentido mais originário, marcação da primeira passagem do privado ao público, do segredo ao exposto –, que, localizado numa imbricação epistemológica, artística e política, entre a metafísica da presença e estrutura simbólica, é representação de um movimento por vir de reunião de signos, de retornos e esquecimentos.

Traduzido por Marcelo Jacques de Moraes, foi publicado pela editora da Universidade Federal de Santa Catarina. O diretor executivo da EdUFSC, Sérgio Medeiros, que foi aluno de Derrida em Paris em 1994 e 1995, e os editores observam que as artes conhecidas como visuais estabelecem para o filósofo, não apenas um motivo importante para o desenvolvimento de uma problematização própria à história da filosofia, mas também o suporte para dar “pensar um visível articulado pelo movimento do rastro e das figuras derridianas da escrita”. Os editores indicam que, para Derrida, as artes do visível estão, pensadas em sua desconstrução, profundamente investidas pelo movimento da escrita: “Mesmo que não haja nenhum discurso, o efeito do espaçamento já implica uma textualização”, o que revela que, “a  expansão do conceito de texto é estrategicamente decisiva”.

Foram traduzidos neste volume os principais textos do filósofo sobre as artes, tornando, assim, segundo os editores, “sensíveis ao leitor algumas das proposições e dos axiomas mais inventivos de Derrida em um domínio, o da arte e da estética, que jamais foi por ele confinado na antiga delimitação das belas-artes, mas sempre apreendido, de pleno direito, como lugar movente de um pensamento”. Segundo o tradutor, o texto de Derrida “se constitui numa exploração constante da tensão entre a materialidade  da língua e seus efeitos de sentido”.

 

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“É quando as palavras começam a enlouquecer desse modo, e não se comportam mais com propriedade com relação ao discurso, que elas têm mais relação com as outras artes, e, inversamente, isso revela como as artes aparentemente não discursivas, como a fotografia e a pintura, correspondem à cena linguística”.

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PENSAR EM NÃO VER: ESCRITOS SOBRE A ARTE DO VISÍVEL

Autor: Jacques Derrida
Editora: UFSC
Preço: R$ 40,00 (480 págs.)

 

 

 

 

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