“Acordei ácido. É primeiro de ano. Primeiras horas da manhã. De toda forma, oito e meia, para um ex-sedentário, não deixa de ser uma vitória: primeiras horas, ainda que a manhã dos sábios tenha começado lá pelas cinco. Os sábios são como o sol. Chego lá.”
Companhia Brasileira de Alquimia, de Manoel Herzog, concorre como semifinalista na categoria romance, do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. O livro foi lançado em novembro do ano passado pela editora Patuá. Conta a história de Germano Quaresma, operador em uma indústria que transforma chumbo em ouro. Ao longo de sua rotina mecânica, o protagonista tece reflexões pessoais sobre as relações sociais modernas, da falta de cumplicidade profissional ao seu casamento com Cláudia. Solitário, ele encontra em clássicos da literatura a amizade que lhe falta no mundo.
No prefácio, o escritor Ademir Demarchi analisa: “Que o leitor acostumado com ficções urbanas, misérias, crimes e histórias de amor, que são marca da literatura contemporânea brasileira, se prepare: saiba de antemão que, diversamente, este romance se passa dentro de uma indústria química multinacional, em meio a fornos, máquinas e produtos químicos e num tom irônico de narrativa, sem cair no cacoete da idealização romântica de esquerda dos operários. Herzog faz pela literatura o que Carlão Reichenbach fazia no cinema: Carlão, inovando nos temas do cinema nacional, tirando o foco das greves e operários que urdiram Lula, mostrava a vida das mulheres operárias do ABC, numa atitude voyer que as punha lindas nas telas, trabalhando nas fábricas, se trocando de seus uniformes e passando maquiagem, respirando em carne e osso e vivendo seus dramas na periferia como se estivessem no centro do mundo, ainda que fosse na periferia do capitalismo”. Segundo Demarchi, o interesse maior do romance são os “operários, tema que a literatura brasileira contemporânea ignora. É o seu modo de pensar, falar e agir, como se submetem à escravidão das horas de trabalho, que chama a atenção. […] o tom da narrativa é irônico, possibilitando várias risadas, vindas tanto do modo esdrúxulo do narrador quanto do modo de falar e agir dos personagens que proliferam e trabalham irresponsavelmente na tal fábrica e em nada mais lembram aqueles compromissados com a revolução urdidos em décadas anteriores”. É, como aponta Demarchi, enquanto miserável representação de um “presente industrial pós-utópico” que, com seus altos fornos, encontra-se “a indústria química pesada que é a Companhia Brasileira de Alquimia, inaugurada na data sutil de 31/3/1964, assim como são sutis outros dados em sua relação com a realidade. A CBA é focada na produção de… pedra filosofal, um insumo básico exportado para a produção de… ouro, e cujos insumos básicos são mercúrio e amianto, banidos dos países desenvolvidos por serem altamente tóxicos, mas usados aqui por muito tempo, resultando em cânceres pulmonares, anencefalias, desertificação do meio ambiente, poluição da água com mercúrio e metais pesados, descarte de produtos químicos e venenos em terrenos baldios depois ocupados por favelas… No coração da fábrica, como tantos outros homens perdidos e alheios aos processos industriais agora supostamente automatizados, está o Poeta, esse personagem-narrador descrente de tudo, cínico com sua própria condição de proletário”.
Manoel Herzog foi finalista, com o romance Amazônia, do Prêmio Sesc 2009. Atualmente, coordena oficinas de literatura em Santos, na Estação da Cidadania, pelo projeto Ponto de Cultura. Em janeiro de 2012, publicou o romance Os bichos pela Editora Realejo. Escreve quinzenalmente a coluna “Cais das Letras”, com crônicas sobre literatura, no site cinezencultural.
Para uma pequena mostra da prosa – a um tempo ácida e bem-humorada – de Manoel Herzog, indico o texto “Carpe Diem”, publicado na referida coluna e também na revista Grito.
COMPANHIA BRASILEIRA DE ALQUIMIA
Autor: Manoel Herzog
Editora: Patuá
Preço: R$ 19,90 (428 págs.)