A portuguesa Adília Lopes é uma das poetas de maior destaque hoje em seu país. Já foi traduzida para diversos idiomas e, no Brasil, as editoras 7 Letras e Cosacnaify, em coedição, publicaram a Antologia, seleção de poemas organizada pelo poeta Carlito Azevedo, que contém poemas desde seus primeiros livros, O poeta de Pondichéry, de 1986, e O decote da dama de espadas, de 1988, até trabalhos mais recentes, como Florbela Espanca espanca, de 1999, e O regresso de Chamilly, publicado em 2000. A edição brasileira conta também com posfácio de Flora Süssekind.
A poesia de Adília é pontuada por um humor irônico, através do qual seus versos encontram situações corriqueiras e cotidianas. Ela diz, sobre sua poesia: “Há sempre uma grande carga de violência, de dor, de seriedade e de santidade naquilo que escrevo”.
Eucanaã Ferraz, na bela resenha ao livro Antologia – texto intitulado “De monstros e monstruosidades” –, analisa: “O universo absolutamente trivial dos versos guarda qualquer coisa de artificial, de antinatural: há sempre uma ordem estabelecida – moral, estética, comportamental – que soa “estranha”. Disposições e arranjos sociais mostram-se em precário equilíbrio, e quando se desagregam substancialmente logo tudo se reorganiza e restaura, pouco importando a que preço. […] A banalidade e o absurdo equivalem-se numa espécie de esvaziamento entre o cínico e o sádico […]. O grotesco, na poesia de Adília Lopes, recusa o fantástico: o real é a grade perversa que os poemas nos impõem, da qual não nos libertamos nem na forma nem no conteúdo”.
A poeta Alice Sant’Anna, em um texto da coluna que mantém no blog da editora Cosacnaify, analisa o rótulo que se dá a determinada poesia contemporânea e ao qual liga-se o nome de Adília: “poesia do cotidiano”; segundo Alice, uma classificação que “aponta para uma brusca diferença entre a poesia feita, por um lado, com as coisas práticas, os utensílios domésticos, os sabonetes e os telefones, os garfos e os cotonetes, as fruteiras e os carrinhos de supermercado, e por outro a poesia do sublime, da abstração, dos sentimentos nobres, grandiosos”. Alice comenta a classificação após um interessante comentário sobre o poema “As rosas com bolores” de Adília Lopes que, segundo ela, “não é só um poema, é uma poética”. A categoria do “cotidiano”, como bem aponta Alice, não seria de maneira alguma menos elevada que a dita poesia “do sublime”: “O bolor das rosas na mesa de cabeceira não é ao mesmo tempo banal e uma metáfora monumental? Parece até que a poética da Adília se constrói para desmontar essa divisão: os poemas mostram como as coisas comuns, que olhadas todos os dias não pareceriam “material para poesia”, podem produzir reflexões profundas, cortantes”.
O poeta Antonio Cicero publicou em seu blog uma poesia de Adília do livro Caderno, publicado em Lisboa em 2007:
Marianna e Chamilly
Quando partires
se partires
terei saudades
e quando ficares
se ficares
terei saudades
Terei
sempre saudades
e gosto assim
Autor: Adília Lopes
Editora: Cosacnaify
Preço: R$ 46,90 (240 págs.)
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Dentre os poemas de Adília Lopes, selecionamos aqui para ilustrar esta Matraca o cáustico “Minha avó e minha mãe”, do livro A Pão e Água de Colónia (1987):
Minha avó e minha mãe
Minha avó e minha mãe
perdi-as de vista num grande armazém
a fazer compras de Natal
hoje trabalho eu mesma para o armazém
que por sua vez tem tomado conta de mim
uma avó e uma mãe foram-me
entretanto devolvidas
mas não eram bem as minhas
ficámos porém umas com as outras
para não arranjar complicações
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