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Qua! qua! ecco! così! E basta!

10 janeiro, 2018 | Por Isabela Gaglianone
Giorgio De Chirico

Giorgio De Chirico, “La commedia e la tragedia” (1926)

Pirandello em cinco atos reúne cinco peças de Luigi Pirandello (1867-1936), um dos mais notórios escritores italianos do século XX: “O torniquete”, “Limões da Sicília”, “A patente”, “O homem da flor na boca” e “O outro filho”. O belo volume foi publicado no final do ano passado pela Editora Carambaia, com tradução e seleção dos textos realizadas por Maurício Santana Dias, professor de Literatura Italiana e Estudos da Tradução na USP. O livro conta ainda com um ensaio do tradutor, que trata da gênese das peças e estabelece relações com outras obras de Pirandello. Parte das obras reunidas neste volume já foi encenada em palcos brasileiros, mas todas permaneciam ainda inéditas em livro no país.

A produção dramatúrgica de Pirandello é posterior à sua produção prosaica e, inclusive, as cinco peças aqui reunidas, todas de ato único, foram criadas a partir de histórias que o autor siciliano havia escrito anteriormente sob o formato de novelas. Reconhecido pela genialidade de sua produção literária em prosa, foi, no entanto, no teatro que Pirandello levou às últimas consequências as tensões entre fato e ficção, marca fundamental de sua obra.

“Minha arte é cheia de compaixão por todos aqueles que iludem a si próprios”, diz o próprio Pirandello. “Mas, é inevitável, que esta compaixão seja seguida pelo escárnio feroz a um destino que condena o homem à mentira”.

Segundo a bela análise da escritora Maria Célia Martirani, desenvolvida no artigo “Luigi Pirandello: o filho do Kaos”, publicado no Jornal Rascunho, na “vasta produção literária e dramatúrgica de Luigi Pirandello, há um eixo central que parece orientar qualquer tipo de análise que se queira fazer sobre o grande autor. Como fio resistente, a conduzir a composição deste imenso e colorido bordado ficcional, está o conceito originalíssimo que ele desenvolveu sobre o humor”. O humor moderno, para Martirani, caracteriza-se sobretudo pela representação do mal-estar do homem; Pirandello inovou essa representação, à medida que “seus anti-heróis não vivem, mas vêem-se vivendo. É por esse viés que ele atualiza o trágico na modernidade, na medida em que aponta à inconstância de seus personagens, sempre em crise, devido ao aprisionamento dilacerante do inevitável jogo de máscaras que se lhes impõe. Esses seres problemáticos, em essência, representam a angústia de quem tem que dar conta de uma máscara exterior e de outra interior, quase sempre discrepantes”. Ora, diz Martirani, “poderíamos afirmar que qualquer efeito cômico precisa destacar o contrário, a composição de imagens em contraste, para atingir seu propósito. Mas o que Pirandello traz de novo a isso é que ele põe em cena os processos psíquicos de interiorização do cômico, a partir da reflexão, que, em nenhum momento se confundem com a ironia. Apenas quando se dá conta do que lhe está ocorrendo, por um doloroso processo de internalização dos fenômenos ao redor, ao sentir, na própria pele, o flagelo da descoberta de que tudo é ilusório é que o protótipo deste anti-herói transforma a percepção em sentimento. E o humorista será o artífice dessa farsa trágica da vida”. A farsa trágica dá-se, efetivamente, somente porque “o anti-herói tem plena consciência da farsa. Como se tomasse distância da própria vida e visse a si mesmo, ridicularizado pelo olhar do outro, que, onipotente, será o espelho a apresentar as deformidades que o seu olho egocêntrico e vaidoso, muitas vezes, não consegue ver”.

Dentre os dramas incluídos neste volume, dois deles, “O torniquete” e “Limões da Sicília”, foram os primeiros textos teatrais do autor levados aos palcos, em 1910. Pirandello, então com mais de 40 anos, já tinha uma obra-prima publicada, o romance O falecido Mattia Pascal [1904]. Seu teatro já se caracterizava por diálogos cortantes e agudo senso de absurdo.

“O torniquete” é uma exacerbação do melodrama burguês, ao tratar de um casamento em crise provocada por infidelidade. A trama se passa em uma propriedade rural da Sicília e Pirandello aqui retrata tanto sua paisagem regional natal, quanto as características do melodrama italiano. A mulher do casal, que teme a própria ruína se o marido descobrir seu adultério, acredita em sua aparente normalidade pode dissipar quaisquer desconfianças; o marido finge ignorância, mas tortura a esposa com um jogo de palavras ambíguas que confunde tanto a mulher quanto o espectador: a verdade é, ou não, conhecida por ele? A peça foi escrita em 1892 a partir de um conto de Pirandello intitulado “O medo”, que narra a história de um triângulo amoroso transcorrido no ermo sul italiano.

“Limões da Sicília” põe em cena um duro contraste na relação entre um agricultor e uma mulher que sai da pobreza para se tornar diva da música. A peça expõe a contradição entre o mundo como o imaginamos e a desilusória realidade. O agricultor constrói uma realidade que não existe; paga os estudos da cantora e, quando ela adentra o mundo dos espetáculos e passa a ter contato com um círculo social diverso, composto por pessoas dedicadas ao dinheiro e ao divertimento, o protagonista encerra-se no passado e na velha esperança de casar-se com aquela que vê partir. A moça transfigura-se, muda o modo de vestir-se, de falar e mesmo de rir; enquanto o protagonista, estático, espera o momento certo para propor-lhe o casório, ela já está distante do mundo longínquo de sua terra siciliana.

“A patente” [1917], texto emblemático do poética de Pirandello, é uma comédia de contornos fantásticos sobre um homem com fama de agourento. A peça propõe uma radical reversão de expectativas que tensiona os limites das convenções sociais, ao passo que o protagonista resolve patentear seu azar, assumindo a ‘máscara’ que os outros haviam posto sobre si – à semelhança do que ocorre na produção de Pirandello, como por exemplo no romance Um, nenhum, cem mil. A peça foi escrita originalmente em dialeto siciliano e posteriormente adaptada para o italiano oficial; é fortemente marcada pelo humor pirandelliano e pelo amargo pessimismo existencial.

Escritos na época de apogeu de Pirandello como dramaturgo, “O homem da flor na boca” e “O outro filho” [ambas de 1923] falam do acaso e de múltiplos pontos de vista, ingredientes essenciais do legado de um autor que tem entre seus pontos altos uma peça com título revelador, Assim é (se lhe parece) [1917]. “O homem da flor na boca” apresenta a história de um homem que depara-se com a possibilidade da morte e, então, passa a valorizar a vida. Citamos um trecho, com tradução diversa da do volume em questão, realizada por Eduardo Muniz e Alvaro Pilares: “Deixe-me falar! Se a morte, meu amigo, fosse como um daqueles insetos esquisitos, repugnantes, que pousam em cima de nós, sem percebermos… O senhor vai passando pela rua; outro pedestre, de repente o faz parar, e com toda cautela, com os dedos estendidos, lhe diz: “Perdão amigo, com licença. Vossa excelência tem a morte em cima de si!” E, com os tais dedos estendidos, pega-lhe e atira com ela para longe… Então seria magnifico! Mas a morte não é como um desses insetos repugnantes. Quantos daqueles que passeiam tranquilos e sem preocupações, talvez a tragam em cima em si; ninguém a vê; e eles vão tranquilamente planejando seu dia de amanhã e depois de amanhã. Ora, eu, meu caro senhor… (LEVANTA-SE) Vem!… vem mais pra cá… (CONDUZ O FREGUÊS PARA JUNTO DO CANDEEIRO ACESO)…Quero mostrar uma coisa…Olhe aqui, debaixo do bigode… Aqui, está vendo? Não vê que linda tuberosidade violácea? Sabe como se chama isso? Ah, um nome muito doce, mais doce que um rocambole: – Epitelioma, é assim que se chama. Pronuncie, verá que doçura: Epitelioma… A morte, percebe? Passou por mim. Pôs esta flor na boca, e disse: – “Fica com ela, querido: voltarei a passar por aqui dentro de oito ou dez meses!” (PAUSA). E agora me diz, se com essa flor na boca, eu podia ficar em casa tranquilo e sossegado, como desejava aquela infeliz”.

“O outro filho” é um drama da identidade negada e da problemática dos relacionamentos familiares no contexto das imigrações do início do século XX, dada em um cenário de fome e ferocidade. A peça, uma densa crítica social, gira em torno de dois eixos paralelos: o tormento de uma mulher que recusa a maternidade, não por sua escolha, mas pela devastadora necessidade de esquecer o abuso sexual sofrido, cometido por um bandido, que matou seu marido; e o imenso sofrimento de um filho, que, honesto e trabalhador, isento de culpa mas rejeitado e totalmente derrotado em seu desejo filial, preterido em relação aos meio-irmãos, mesmo tendo eles partido para a América, deixando a mãe em meio a uma vida de dificuldades. Pirandello afronta as temáticas históricas italianas da grande imigração meridional e do fenômeno do banditismo siciliano, do qual surgiu a reação libertadora de Giuseppe Garibaldi e dos “camisas vermelhas”.

Lucrecia Corbella, doutora em Psicologia Social pela UERJ, em artigo em que analisa a imaginação segundo Sartre à luz das criações dramatúrgicas de Pirandello, afirma que o que o autor italiano “efetiva ao escrever uma peça de teatro é um convite, através de um objeto imaginário, a irrealizar-se, a distanciar-se do mundo real. A arte é produzida por um encantamento que procura inventar um mundo com outras significações possibilitando novas escolhas existenciais”. Segundo Corbella, “através das palavras, no caso dos contos e dos romances, e através das palavras e dos gestos, no caso das peças, Pirandello constitui objetos irreais que serão tomados por consciências imaginantes”, no sentido como compreendido por Sartre. A psicóloga cita o filósofo, segundo quem, “em uma peça de teatro, ‘[…] o ator é engolido, tragado pelo irreal. Não é o personagem que se realiza no ator, é o ator que se irrealiza em seu personagem’. O ator, ao irrealizar-se, efetiva a ultrapassagem do real em busca do vazio de significação para inaugurar um novo sentido tanto para sua personagem como para o mundo no qual ela habita. O mundo real, no entender de Sartre, é um mundo desprovido de beleza estética ‘[…] o real nunca é belo. A beleza é um valor que só poderia ser aplicado ao imaginário e que comporta a nadificação do mundo em sua estrutura essencial’. [O imaginário, Ed. Ática, 1996] Esta nadificação significa, de um lado, a existência de um mundo real, pois a negação de um aspecto do mundo se realiza a partir deste próprio mundo real e, por outro lado, a constituição de um imaginário que consiste em distanciamento do mundo real. Sem este distanciamento, o real se tornaria asfixiante, as relações entre as pessoas seriam completamente fechadas em si mesmas e os objetos reais nos solapariam”. Para Corbella, a “arte, a partir do imaginário, ultrapassa o real produzindo um distanciamento do que já se cristalizou possibilitando o surgimento de novas significações para a existência e para o mundo”.

Sobre a especificidade dramatúrgica de Pirandello na relação entre atores e personagens, de acordo com Martha Ribeiro, professora da UFF, conforme pontua no artigo “Pirandello contemporâneo: um estudo para análise da dramaturgia pirandelliana a partir da cena”, ao investigar-se a dramaturgia de Pirandello “a partir da cena e da relação ator/personagem”, é inerente o confronto “com a própria história do teatro ocidental, pois a principal característica de sua dramaturgia é tencionar os limites, e as fronteiras das diferentes estéticas e formas teatrais que se sucederam, e que se contrapuseram, abrindo sempre novos espaços de criação. Pirandello não propôs uma solução para a crise da representação que se instalou nos experimentos teatrais que lhe foram contemporâneos, ao contrário, a sua estética é uma estética da crise, e também de acumulação entre diferentes estéticas e formas cênicas plurais, multifacetadas. É no contraste, no choque, entre o metafísico e o realismo que reside sua maior riqueza. Em seus últimos anos de trabalho, Pirandello recorreu ao papel ‘mediúnico’ da materialidade cênica, acreditando no poder mágico do palco em transmutar o corpo do ator em fantasmas, e de criar sonhos. O ator, dirá o dramaturgo, não deve se transformar em uma figura humana, e sim evocar um ser diferente, estranho – mas real, vivo – que existe em uma diferente esfera de realidade”.

 

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PIRANDELLO EM CINCO ATOS

Autor: Luigi Pirandello
Editora: Carambaia
Preço: R$ 62,61 (184 págs.)

 

 

 

 

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