Na seção “Revista das Revistas” do suplemento dominical de cultura do Estadão,
do dia 15 de junho, há uma citação do zoólogo austríaco Konrad Lorenz sobre a saúde
do pensamento humano: “a mente, para estar em forma, precisa testar e rejeitar
cinco hipóteses antes do café da manhã.” Esta serviu de introdução ao tema
propriamente dito da matéria que trata do lançamento de um revista, publicada
pelo Instituto de Formação e Educação, sobre filosfia, poesia, literatura, cinema,
música, artes plásticas e que propõe “estimular a reflexão na época em que o ato
de ler é considerado uma renúncia ao viver.”
É inevitável realizar um paralelo com um trecho do livro Um Diário Russo, da CosacNaify; escrito pelo romancista norte-americano John Steinbeck e ilustrado com fotos do fotógrafo húngaro Robert Capa, o livro narra uma visita de 40 dias, em 1947, à extinta União Soviética.
Na página 86 no início do capítulo 5, quando, recém chegados à URSS, numa manhã hospedados num quarto hotel de Kiev, Steinbeck descreve uma tática elaborada
por ele que estabelece uma relação bastante estreita com a citação do Lorenz:
“O despertar de Capa pela manhã é um processo lento e delicado, como o de uma crisálida transformando-se em borboleta. Durante uma hora após acordar, ele fica sentado num silêncio espantado e tateante, entre o sono e a vigília. Meu problema era impedi-lo de levar um livro ou um jornal para o banheiro, pois então lá ficaria pelo menos uma hora. Comecei então a preparar três perguntas teóricas para lhe apresentar a cada manhã, questões de sociologia, história, filosofia, biologia, perguntas concebidas para dar um choque em sua mente e fazer com que despertasse para o dia que se iniciava.
No primeiro dia em que fiz esse experimento, coloquei-lhe as seguintes questões: Qual dramaturgo grego tomou parte na batalha de Salamina? Quantas pernas tem um inseto? E, por último, qual era o nome do papa que promoveu e reuniu os cantos gregorianos? Capa saltou da cama com uma expressão de dor no rosto, ficou um instante sentado e olhando pela janela, em seguida correu para o banheiro com um jornal russo que era incapaz de ler. E lá ficou por uma hora e meia.
Todas as manhãs, durante duas ou três semanas, tive o trabalho de preparar essas questões, e ele nunca respondeu nenhuma delas. Mas passou a murmurar consigo mesmo grande parte do dia, reclamando amargamente que já não conseguia mais dormir só de pensar nas perguntas que viriam pela manhã. Ele alegou que o horror despertado em sua mente por minhas perguntas o fizera regredir intelectualmente quarenta anos ou, aproximadamente, para antes dos dez anos de idade.”
Mais a frente no livro, na página 175, numa queixa – o capítulo chama-se Uma
Queixa Justificada – escrita por Robert Capa, ele esclarece:
“Meus dias são longos e começam com o Steinbeck matinal. Ao acordar, abro os olhos com todo o cuidado, e o encontro sentado à mesa. Diante de um grande caderno, ele finge que trabalha. Na realidade, está apenas esperando, atento aos meus menores movimentos. Ele está desmaiando de fome. Mas o Steinbeck matinal é um indivíduo muito tímido, absolutamente incapaz de usar o telefone e empreender a menor tentativa de articular uma conversa com garçonetes russas. Portanto, chega uma hora em que desisto, levanto da cama, agarro o telefone e peço o café da manhã em inglês, francês e russo. Isso o reanima a tal ponto que se torna arrogante. Seu rosto assuma a expressão de um filósofo de aldeia bem pago, e ele diz: ‘Tenho algumas questões para você esta manhã’. Evidentemente, ele passara três horas esfomeado preparando as malditas questões, que iam desde os hábitos à mesa dos antigos gregos até a vida sexual dos peixas. Eu me comporto como um bom americano e, ainda que pudesse responder a suas perguntas de maneira simples e clara, recorro aos meus direitos civis, recuso-me a esclarecê-lo, e deixo que a coisa seja enviada à Suprema Corte. Mas ele não desiste com facilidade, fica se vangloriando
de seus conhecimentos universais, tenta me provocar com dicas e simpatia, e tudo isso me força ao exílio. Busco refúgio no banheiro, um lugar que simplesmente detesto, e me forço a permanecer na banheira revestida de lixa e cheia de água fria até a chegada do café da manhã.”