Literatura

Meu velho,

24 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

desenho de Rembrandt

O nome de Luisa Geisler é um dos mais promissores no atual cenário da literatura brasileira. Ela foi a mais jovem escritora a participar da edição especial Granta – Os melhores jovens escritores brasileiros, foi indicada ao Prêmio Jabuti de Literatura de 2013 e recebeu, em 2012, o Prêmio SESC, pelo livro romance de estréia, Quiçá, que também lhe rendeu indicação ao Prêmio Machado de Assis. Com seus contos, reunidos em Contos de mentira, venceu o Prêmio SESC de Literatura e finalista do Jabuti. Tudo isso aos “vinte e poucos anos”: Luisa nasceu em 1991, em Canoas, RS.

Seu novo romance, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, lançado pela Alfaguara, é dotado de um humor desconcertante, capaz de criar passagens verdadeiramente cativantes sobre as incertezas do amadurecimento.

O livro narra a história de Henrique, um rapaz que mora nos subúrbios de Porto Alegre com a família. A normalidade de sua vida é abalada quando seu melhor amigo, Gabriel, sofre um acidente, bate a cabeça e é hospitalizado, em estado de coma. O protagonista escreve cartas ao amigo, o que permite ao leitor vivenciar seus anseios e incertezas –“Queria saber quando tu ia acordar, como tu tá, o que tem acontecido, se tem algo que dê pra fazer. Com a proximidade das festas natalianas, ele começa a escrever cartas em sequência, nas quais, como em uma conversa, relata ao amigo tudo o que acontece em sua ausência. Entremeadas às cartas, há narrativas curtas que revelam os pensamentos dos outros personagens e que mostram o quanto Henrique realmente sabe daquilo que vem acontecendo ao seu redor.

A jovem autora, em entrevista ao site Homo Literatus, indicou Ernst Hemingway como um de seus escritores favoritos. Ela disse: “Discordo da ideia de que o fato do texto ser mais transparente quer dizer que não tenha tanto investimento na linguagem. A linguagem é parte da caracterização da história, e nisso é difícil ser preciso como ele foi. Ele conseguia equilibrar muito bem ‘a história’ e a ‘linguagem’. […] O trabalho dele não está em agregar mais, mas de agregar o que tinha que ser agregado (o que muitas vezes pode ser eliminar algo). Não sei se vejo os personagens de Hemingway com uma ‘fúria’ interna, mas com um fogo dentro. Não é necessariamente raiva: pode ser tristeza, tanta coisa. São personagens que fazem sentido, mas não fazem questão de se justificar. Muitas vezes, a surpresa vem dos personagens serem (como nós) pessoas normais, que não fazem questão de dizer “ah, fiquei triste!” quando algo ruim acontece. E então, quando se matam, é surpreendente, porque temos que procurar sinais dessa tristeza. Como nas pessoas reais”.

A editora disponibilliza um trecho para visualização.

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Trecho

 

Canoas, 10/12/2011

 

Meu velho,

tu vai ler isso?

Esses dias eu vi café mofado. Foi bem no começo do mês. Queria poder ter tirado uma foto, te ligado. Tu ia curtir, acho. Eu nem sabia que café líquido podia mofar. Tinha cheiro de parede. Minha mãe riu, meu pai até agora não deve ter notado nenhuma diferença. A Manu fez um chilique, me chamou de porco e, antes que eu percebesse, ela tava com a cara se enchendo de lágrimas. Perguntou se eu seria pouco cuidadoso com o café do posto.

“Manu”, eu disse, “eu sou pago pra cuidar das coisas do posto”.
Ela chorou mais, as lágrimas iam descendo pelo rosto. Deve ser TPM. Ou sei lá, também, não gosto de pensar que é isso, porque ela anda tão irritada ultimamente que deve gostar de ficar menstruada. Mas chorou, disse que eu andava estranho, que eu precisava de um psicólogo, que eu não era mais a mesma pessoa. Tudo por causa do café com mofo. De boa, isso não é TPM.

Fora isso, tudo igual.

Agora me ocorre se teu cabelo, tuas unhas, teu sangue, se isso mofa. Faz tempo que eu não te vejo no hospital. Bastante tempo. Vamos nos falando,

Ike

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LUZES DE EMERGÊNCIA SE ACENDERÃO AUTOMATICAMENTE

Autor: Luisa Geisler

Editora: Alfaguara

Preço: R$ 39,90 (296 págs.)

 

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