Três anos, novela de Tchekhov publicada originalmente em 1895, acaba de ser lançada no Brasil com a tradução cuidadosa feita por Denise Sales – doutora em Literatura e Cultura Russa pela USP e, desde 2012, professora de Língua e Literatura Russa na UFRGS –, que também assina o posfácio e as notas ao volume. A narrativa é ambientada em Moscou, na rua Málaia Dmítrovka, onde o escritor efetivamente viveu, após retornar de sua viagem à colônia penal da ilha de Sacalina. Este não é, contudo, o único elemento autobiográfico. Esta extraordinária narrativa, ao lado de Minha Vida – também publicada pela editora 34 e traduzida por Denise Sales –, é considerada a mais autobiográfica das histórias de Tchekhov. Três anos expressa as inquietações morais e políticas de seu autor. Protagonizada pelos recém-casados Iúlia Belavina, filha de um médico da província, e Aleksei Láptiev, nascido no seio de uma família de prósperos comerciantes moscovitas, a novela mostra o estabelecimento do cotidiano dos primeiros anos matrimoniais do jovem casal e suas relações com os círculos sociais que frequenta, ao passo que demonstra toda a atmosfera opressiva das relações de afeto e poder na Rússia ainda marcada pela recém-abolida servidão.
Em uma de suas cartas Tchekhov escreveu algo que aplica-se a seu trabalho em geral e que pode ser notado em Três anos: “Meu objetivo é matar dois pássaros com um tiro: descrever a vida de modo veraz e mostrar o quanto essa vida se desvia da norma. Norma desconhecida por mim, como é desconhecida por todos nós”. A professora da USP Elena Vássina analisa: “Desde o início do trabalho literário, forma-se um traço muito peculiar da poética tchekhoviana: uma total economia de meios artísticos, ou seja, a específica “avareza” verbal que obriga o autor a cortar cada palavra supérflua, cada frase escassa para atingir um alto grau de condensação formal. O escritor mergulha na vida cotidiana cheia de fatos miúdos para captar através deles o essencial e o eterno da existência humana”. Nas palavras de Elena, “em cada um de seus contos ele conseguiu recriar o microcosmo literário que abrange o infinito e a imensidão do ser humano e do mundo. Essa preciosa descoberta artística do gênio tchekhoviano fez a literatura do século 20 reconhecer o gênero conto como um dos mais importantes da narrativa contemporânea e transformou o contista, segundo a bela definição de Alfredo Bosi, em “um pescador de momentos singulares cheios de significação”.
Em outra carta, a Maria Kissiliova, Tchekhov escreveu: “Um escritor deve ser tão objetivo quanto um químico […] Ele deve renunciar à subjetividade da vida cotidiana e saber que os montes de estrume desempenham um papel muito respeitável na paisagem, e que as paixões ruins são tão inerentes à vida quanto as boas”. Em sua conhecida brevidade narrativa, ele sempre foi certeiro, o mais ousado transgressor da tradição literária clássica e importante precursor das formas e da linguagem artística contemporânea. Considerava a subjetividade “uma coisa terrível”, e a natureza humana, responsável por sua própria miséria e pelas condições sociais injustas do mundo.
Autor: Anton Tchekhov
Editora: 34
Preço: R$ 26,60 (160 págs.)