A Companhia das Letras acaba de lançar, pelo selo que mantém em conjunto com a editora inglesa Penguin, os Contos da Cantuária, escritos por Geoffrey Chaucer, com tradução e notas de José Francisco Botelho, a partir da tradução, do inglês médio para o inglês moderno, feita por Nevill Coghill, também responsável pela introdução e por notas. A edição conta ainda com ensaio escrito pelo crítico Harold Bloom.
Contos da Cantuária é uma obra considerada das principais para a consolidação da língua inglesa como língua literária – em substituição ao francês e ao latim, à época ainda utilizados preferencialmente – e para a formação da literatura do Ocidente de maneira geral. Senão a principal. Ezra Pound, por exemplo, em seu livro O ABC da literatura, afirma: “Chaucer escreveu quando a Inglaterra fazia ainda parte da Europa. Havia uma só cultura de Ferrara a Paris, e ela se prolongava até a Inglaterra. Chaucer foi o maior poeta de seu tempo. Era mais conciso que Dante. […] A cultura de Chaucer era mais vasta que a de Dante; Petrarca é imensamente inferior a ambos. Não seria despropositado considerar Chaucer o pai das “litterae huamaniores” na Europa” (“apud” Vallias).
A obra de Chaucer consiste numa coleção de histórias de cavalaria, farsas e alegorias morais. Os contos expõem, com riqueza – através da crueza satírica do lirismo aliado ao deboche –, o universo social e cultural da Inglaterra na Idade Média. As narrativas têm como mote uma disputa entre peregrinos, para saber quem contaria as melhores histórias de cavalaria e romances, enquanto rumam em direção à Cantuária, onde pretendem visitar o túmulo de São Thomas Becket. Cada conto é narrado por um dos peregrinos do grupo. Eles abordam temas e personagens variados, representantes de todas as classes sociais, misturando, assim, entre as narrativas, anedotas, escatologias, citações clássicas, ensinamentos morais e caricaturas.
Segundo o tradutor José Francisco Botelho, é uma “obra em que se misturam o quotidiano e o prodigioso, o sublime e o perverso, a santidade e a barbárie”. Para ele, trata-se de uma “barulhenta obra-prima. Da euforia ao horror, da divina sisudez à mais obscena felicidade, poucas criações humanas captaram de forma tão pungente a caótica coerência da vida”. No mesmo artigo, é interessante sua análise, a partir da visão de camarote que tem o tradutor; nas suas palavras, é graças a um “realismo quase epidérmico que o maravilhoso e o fantástico, quando surgem, nos acertam em cheio e nos deixam com a sensação de que universos incongruentes se aproximam e se subvertem”. Para Botelho, há “um veio de perturbação cósmica percorrendo secretamente a obra de Chaucer. […] Nos bosques dessa Inglaterra tão verossímil, um demônio epigramático anda disfarçado em trajes que lembram os de um casual Robin Hood, e arcanjos cruéis ciceroneiam pecadores ainda vivos em um passeio obsceno nos porões do universo. Aliás, a sensação de horror é acentuada nos relatos mais próximos à esfera do cristianismo. Quanto mais pia a moral da história, mais escabrosas são suas circunstâncias. […] Em outros momentos, contudo, a fantasia dos Contos da Cantuária torna-se límpida e hilariante. Uma das habilidades características de Chaucer é fazer com que seus personagens caiam no ridículo de forma milimetricamente orquestrada”.
A Companhia das letras disponibiliza um trecho em pdf.
Autor: Geoffrey Chaucer
Editora: 34
Preço: R$ 37,80 (680 págs.)