cinema

Sondagens, exploração, sobrevôos

22 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

cena de “Ladri di Biciclette”, de Vittorino de Sica

Lançamento de hoje, o livro O que é o cinema?, de André Bazin, traz uma coletânea de ensaios fundamentais, não só sobre questões do cinema em si e de sua história, mas articulando-as a suas relações com a filosofia, com a própria ideia de representação, com fotografia, teatro e literatura. Bazin tece uma crítica versátil, clara e instigante. Seus ensaios são reflexões estimulantes, que transitam da escola italiana e soviética ao universo do western e das pin-ups. Mas o autor adverte, o título “não é bem a promessa de resposta, mas antes o enunciado de um problema que o autor se colocará ao longo das páginas”.

No Brasil, o lançamento é mais do que bem-vindo, pois os ensaios, publicados pela Brasiliense no início da década de noventa – com título que limitava-se a “O cinema” –, hoje só eram encontrados em sebos. A edição da Cosac Naify, organizada pelo crítico e professor Ismail Xavier – responsável pela introdução, e pelo apêndice –, foi acrescida com alguns ensaios da publicação francesa original (edição póstuma, foi organizada em quatro volumes: I: Ontologia e Linguagem; II: O Cinema e as outras artes; III: Cinema e Sociologia; IV: Cinema e Realidade: o neo-realismo). A presente edição brasileira, revista e ampliada, traduzida por Eloisa Araújo Ribeiro – tanto na edição da Brasiliense – como nesta nova edição recupera textos fundamentais, principalmente sobre o neorrealismo.

Além das repercussões sociais, algumas das principais teses de Bazin nestes ensaios respeitam à ontologia do cinema e a suas repercussões enquanto estética da imagem em movimento. Algumas das ideias fundamentais a respeito das quais o crítico reflete são: a ontologia da imagem fotográfica, o mito do cinema total e a montagem interdita. Segundo João Mário Grilo, em artigo publicado pelo Instituto de Filosofia da Linguagem de Portugal, “de alguma maneira, é pela linha de cruzamento destes três textos que passa o essencial do que hoje se convencionou chamar teoria realista do cinema. A preocupação maior de Bazin resume-se numa fórmula que ele próprio repetiu sob diversas formas e em múltiplas vezes: “o cinema alcançará a sua plenitude ao ser a arte do real”.

Sua teoria realista fez-se notória e explora a ambiguidade ontológica da realidade. Bazin, numa primeira fase, procura esclarecer o próprio conceito de realidade com que o cinema trabalha e que encena. O centro do realismo cinematográfico não provém, para ele, do realismo do tema ou da expressão, mas de um autêntico realismo espacial, sem o qual as imagens-movimento não se constituiriam em cinema. O cinema é a arte do real, portanto, porque registra a espacialidade dos objetos, bem como o espaço ocupado por eles, uma realidade em si mesma ambígua: no seu registo do mundo, o cinema deve registar essa ambiguidade fundadora, donde sua vocação ontológica.

Bazin é certamente um dos maiores críticos modernos. Foi um dos fundadores da Cahiers du Cinéma, escreveu no contexto da cinefilia parisiense do pós-guerra, em contato com os principais cineastas que produziam no período – entre eles, os jovens que, tomando-o como mentor, formariam a nouvelle vague.

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“A polêmica quanto ao realismo na arte provém desse mal-entendido, dessa confusão entre o estético e o psicológico, entre o verdadeiro realismo, que implica exprimir a significação a um só tempo concreta e essencial do mundo, e o pseudo-realismo do trompe-l’oeil (ou do trompe l’esprit), que se contenta com a ilusão das formas. Eis porque a arte medieval, por exemplo, parece não sofrer tal conflito: violentamente realista e altamente espiritual ao mesmo tempo, ela ignorava esse drama que as possibilidades técnicas vieram revelar. A perspectiva foi o pecado original da pintura ocidental”.

[Trecho do ensaio “Ontologia da imagem fotográfica”]

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O QUE É O CINEMA?

Autor: André Bazin
Editora: CosacNaify
Preço: R$ 39,92 (416 págs.)

 

 

 

 

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