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Aprendizagem e instrução

23 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ivan Illich (Viena, 1926 – Bremen, 2002) foi um intelectual que teceu uma série de críticas às instituições da cultura moderna. Pensador da ecologia política, ele foi uma figura importante da crítica da sociedade industrial. Seu livro mais conhecido é Sociedade sem escolas, publicado em 1971, no qual desenvolve uma profunda crítica à institucionalização da educação nas sociedades contemporâneas. Utilizando exemplos que mostram a natureza ineficaz da escolarização, ele defende a aprendizagem autodidata baseada em relações sociais intencionais, uma intencionalidade fluida e informal. Ele indica uma necessidade de se chegar a um entendimento prévio sobre o que se entende por “escola” e propõe o que chama de “fenomenologia da escola pública”: sua definição entende a “escola” como um processo, que requer assistência de tempo integral a um currículo obrigatório, em certa idade e com a presença de um professor.

Segundo Illich, metade dos habitantes do planeta jamais colocou os pés numa escola ou teve contato com professores e, entretanto, ainda assim aprende com relativa eficiência “a mensagem transmitida pela escola: precisam de escola sempre e sempre mais”. A escola “os instrui na sua própria inferioridade […]. Desse modo os pobres são despojados de sua autoestima, pela submissão a uni credo que garante a salvação apenas pela escola”. Para ele, aos moldes da escola, a “universidade americana veio a ser o último estágio do rito de iniciação mais envolvente que o mundo já conheceu. Nenhuma sociedade conseguiu sobreviver sem ritos ou mitos, mas a nossa sociedade é a primeira a necessitar de uma tão estúpida, prolongada, destrutiva e dispendiosa iniciação em seus mitos. A civilização mundial contemporânea é também a primeira que achou preciso racionalizar seu rito de iniciação fundamental em nome da educação”.

O que ele então sugere é uma reforma educacional que pressuponha uma compreensão de que “nem a aprendizagem individual e nem a igualdade social podem ser incrementadas pelo rito escolar. Não podemos superar a sociedade de consumo sem antes compreender que a escola pública obrigatória recria tal sociedade, não importando o que nela seja ensinado”. Seu argumento, assim, compreende o que ele chama de mito dos valores institucionalizados: para Illich, “A escola nos inicia também no Mito do Consumo Interminável. Este mito moderno se fundamenta na crença de que o processo produz, inevitavelmente, algo de valor e, por isso, a produção necessariamente cria a demanda. A escola nos ensina que a instrução produz aprendizagem. A existência de escolas produz a demanda pela escolarização. Uma vez que aprendemos a necessitar da escola, todas as nossas atividades vão assumir a forma de relações de cliente com outras instituições especializadas. Uma vez que o autodidata foi desacreditado, toda atividade não profissional será suspeita. Aprendemos na escola que toda aprendizagem profícua é resultado da freqüência, que o valor da aprendizagem aumenta com a quantidade de insumo (input) e, finalmente, que este valor pode ser mensurado e documentado por títulos e certificados”.

A institucionalização da educação, portanto, marca uma tendência de institucionalização geral da sociedade. O livro propõe a reinvenção de toda a aprendizagem, em termos sociais e individuais.

Segundo Illich, “Os instrutores tornam-se escassos por causa da crença no valor dos registros. O certificado constitui uma forma de manipulação mercadológica e é plausível apenas a uma mente escolarizada”. Os certificados, para ele, “tendem a abolir a liberdade de educação, convertendo o direito civil de partilhar um conhecimento em privilégio da liberdade acadêmica, conferido apenas aos empregados das escolas”. São indiciais da própria lógica problemática da sociedade de consumo, sociedade que as escolas recriam: “Não podemos superar a sociedade de consumo sem antes compreender que a escola pública obrigatória recria tal sociedade”. No limite, a escola “nos faz confundir processo com substância, diploma com competência, serviço com valor, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo”. Para Illich, é “na liberdade universal de palavra, de reunião e de informação que consiste a virtude educativa”. Pois na escola institucionalizada, a figura do professor, considerado o único dono da verdade, limita outras trocas de informações entre os alunos, monopolizando o aprendizado, de modo que o sistema de ensino se torna burocrático, limitando a liberdade de pensamento; a escola, assim, funciona como ferramenta de domínio de uma sociedade hierarquizada e desigual.

O livro foi publicado no Brasil pela editora Vozes, que o imprimiu pela última vez em 1988. Atualmente, está disponível apenas em sebos. Para visualizá-lo é possível acessar algumas das suas digitalizações.

 

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A educação universal por meio da escolaridade não é possível. Nem seria mais exequível se se tentasse mediante instituições alternativas criadas segundo o estilo das escolas atuais. Nem novas atitudes dos professores para com os seus alunos, nem a proliferação de novas ferramentas e métodos físicos ou mentais (nas salas de aula ou nos dormitórios), nem mesmo a intenção de aumentar a responsabilidade dos pedagogos até ao ponto de incluir a vida completa dos seus alunos, teria como resultado a educação universal. A busca atual de novos canais educativos deverá ser transformada na procura do seu oposto institucional: redes educativas que aumentem a oportunidade de cada um transformar cada momento da sua vida num outro de aprendizagem, de partilha e de interesse. Acreditamos contribuir trazendo os conceitos necessários a quem realiza tais investigações sobre as grandes linhas na educação – e também para quem procura alternativas para outros tipos estabelecidos de serviços.

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SOCIEDADE SEM ESCOLAS

Autor: Ivan Illich
Editora: Vozes
Preço: R$ 49,00 (186 págs.)

 

 

 

 

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