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Inerente violência

17 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A Boitempo acaba de lançar o livro Violência: seis reflexões laterais, do filósofo esloveno Slavoj Žižek. O texto, considerado, metalinguisticamente, explosivo, parte da premissa de que a violência que identificamos imediatamente é produto de uma violência oculta, profundamente arraigada nas bases de nosso sistema político e econômico.

O livro é composto por seis breves e provocativos artigos, nos quais Žižek sugere fundamentos reflexivos para pensar a violência, portanto, como fenômeno moderno. O volume conta com posfácio de Mauro Iasi, analisando a relevância da reflexão proposta por Žižek ao quadro brasileiro, além de um prefácio do esloveno escrito especialmente para a edição brasileira. No texto de orelha, o professor Jorge Luiz Souto Maior, aponta: “Acusam as manifestações populares de violentas. Mas são, em geral, reações a violências constantemente sofridas que não se apresentam como tal. O problema é que a reação da revolta, materializada em ato coletivo, é muito mais facilmente visualizada. Essa violência concreta acaba sendo o argumento conveniente para a repressão institucionalizada, fazendo com que as vítimas das violências reais sejam novamente violentadas. Apesar disso, as reações populares pelo mundo só têm aumentado de tamanho e consciência. Como explicar? As respostas não são simples e neste livro Slavoj Žižek debruça-se sobre os problemas de estagnação do modelo de sociedade atual, que multiplica insatisfações e frustrações pessoais e coletivas”.

Entre as explosões contraditórias das ruas, que compõem um cenário de manifestações cada vez mais sangrentas, e a opressão silenciosa de nosso sistema político e econômico, Slavoj Žižek desenvolve uma análise que articula conhecimentos dos múltiplos campos da história, da psicanálise, da filosofia, da sociologia e das artes, dissecando a violência inerente à globalização, ao capitalismo, ao fundamentalismo e à própria linguagem.

Em entrevista concedida a Ivan Marsiglia, para o jornal Estado de São Paulo, Žižek disse: Eu vejo um paradoxo nos dias de hoje. De um lado, as pessoas têm se tornado, ao menos nos países desenvolvidos, cada vez mais sensíveis à violência. Não apenas em relação à sua manifestação física e direta, mas a qualquer comentário agressivo, gozação com alguém ou piada de conteúdo sexual considerado “sujo” – quase tudo hoje é “experienciado” como violência. Entretanto, para além dessa sensibilidade contemporânea que vê violência em tudo, há na vida real talvez mais violência do que nunca – só que de um tipo pouco percebido. Eu me refiro à violência simbólica a que, por exemplo, seja nos Estados Unidos, na Europa ou no Brasil, são submetidas as comunidades indígenas. Autoridades e mesmo cidadãos bem intencionados podem se referir a esses povos de maneira até respeitosa, ou manifestar suas preocupações sobre as condições de vida das crianças nativas. Só que o fazem de maneira paternalista, que nega a autonomia dessas pessoas. Trata-se de um tipo de violência invisível para a maior parte de nós”. Marsiglia pontua que o lançamento “chega às livrarias no contexto favorável – e trágico – do linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, no Guarujá, após uma notícia falsa de crime nas redes sociais. Para o pensador que trafega entre o marxismo e a psicanálise, velho conhecido do público brasileiro, as irrupções de violência cada vez mais frequentes no mundo causam tanta perplexidade por seu aparente descolamento de uma realidade social “invisível” e ultraviolenta”. Segundo o jornalista, Žižek “prefere, como diz, levantar questões a esgrimir “velhas teorias totalizantes, sejam marxistas ou liberais”. Para ele, é tempo de pensar e não de agir: “Antes de uma teoria sobre o que devemos fazer, precisamos de uma teoria que explique o que diabos está acontecendo”.

Segundo João Lanari Bo, em análise escrita ao Correio Braziliense, “como bom lacaniano”, Žižek busca “saber como o Outro aflora e nos desconcerta, como certificar-nos de que, em última análise, nossa percepção da violência — aquela que relaciona violência a algum agente identificável — é apenas a superfície de um mundo soturno e pantanoso”. Como resume Lanari Bo, “violência, para o esloveno, possui pelo menos três níveis de significação: “subjetiva”, aquela que nos impacta e intimida, perpetrada pelos indivíduos diabólicos, pelas massas fanáticas, pelos tiranos sanguinários, pelo terrorismo espetacularizado, em suma aquela que nos é visível em seus detalhes gráficos; “objetiva”, aquela que se insinua e cria um ambiente de violência latente, pervasivo e invisível, como racismo e discriminações de toda a sorte, envenenando a atmosfera e liberando energias predatórias; e, finalmente, a “violência sistêmica”, aquela que emana dos efeitos catastróficos de sistemas políticos e econômicos que primam pela injustiça e egoísmo, ou ainda, como indica com precisão o filósofo, aquela que faz com que o destino de camadas inteiras da população possa ser decidido pela “dança especulativa solipsista” do poder e do capital, que perseguem seus objetivos sob uma abençoada indiferença em relação aos possíveis (e danosos) impactos na realidade social”.

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“[…] nossa liberdade de escolha efetivamente funciona muitas vezes como um simples gesto formal de consentimento na nossa própria opressão e exploração”.

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VIOLÊNCIA – SEIS REFLEXÕES LATERAIS

Autor: Slavoj Žižek
Editora: Boitempo
Preço: R$ 36,00 (200 págs.)

 

 

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