Literatura

“É que as piores deformações são as invisíveis”

18 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A premiada jornalista Eliane Brum integrará uma das mesas da Flip deste ano, “Poesia e prosa”, em que debaterá com Gregorio Duvivier e Charles Peixoto. Brum é notória por suas reportagens literárias. Lançou neste ano o livro Meus desacontecimentos, autobiografia romanceada, mas seu trabalho mais conhecido é como repórter-cronista, desenvolvido em colunas semanais de veículos jornalísticos – durante 233 segundas-feiras, até ano passado, na revista Época, atualmente, na versão brasileira do El País.

O livro A vida que ninguém vê, lançado em 2006, reúne 21 das crônicas-reportagens publicadas na edição de sábado do jornal Zero Hora – para o qual Brum trabalhou por onze anos. Vencedor do Prêmio Jabuti Prêmio Jabuti 2007 na categoria “melhor livro de reportagem”, o conjunto dos textos é extremamente poético. Concretização da busca jornalística por acontecimentos que não viram notícia e por pessoas que não são celebridades; da busca literária pelo extraordinário contido em cada vida anônima: o resultado é o mergulho no cotidiano que prova que não existem vidas comuns. São fascinantes histórias, sobre um mendigo que jamais pediu coisa alguma, sobre um carregador de malas do aeroporto que nunca voou, sobre um macaco que ao fugir da jaula foi ao bar beber uma cerveja, sobre o álbum de fotografias atirado no lixo que começa com uma moça de família e termina com uma corista, sobre o homem que comia vidro, mas só se machucava com a invisibilidade. Reunidas, as histórias emocionam e traduzem a sensibilidade da prosa de Eliane Brum. À edição, a autora acrescentou textos que revelam o “dia seguinte” de dois personagens emblemáticos da série de reportagens: Adail realizou seu grande sonho, enquanto Antonio sofreu de uma segunda tristeza. O volume ainda traz um texto inédito de Eliane em que avalia, com o distanciamento que o tempo oferece, o que há por trás dessa vida que (quase) ninguém viu.

Segundo análise de Luiza Monteiro, as “reportagens parecem contos que coincidentemente esbarravam em histórias reais, contendo inclusive elementos um tanto místico/fantástico. Um bom exemplo é o texto “História de um Olhar”, no qual a metáfora dos olhos e do olhar permeia a narração da vida de Israel, portador de deficiência mental que era enjeitado numa cidade pequena até passar a frequentar a escola, cursando a segunda série do ensino fundamental. […] uma espécie de abordagem do assunto que se repete nos textos e se reflete no título: a vida que ninguém vê reforça o aspecto de “enjeitado” de seus retratados. Chama constantemente a atenção para a ideia de que as pessoas que viram notícia nas mãos de Eliane – geralmente paupérrimas e oriundas de situações adversas- são invisíveis, socialmente indesejadas ou repudiadas”. De acordo com Monteiro, “essa abordagem uma faca de dois gumes: se por um lado ela escancara a um preconceito que é realmente muito comum (especialmente ao considerarmos que o público-alvo das publicações nas quais a jornalista atua é a classe média geralmente conservadora), por outro lado parece insistir, ou reforçar, a marginalização do diferente”.

 

A VIDA QUE NINGUÉM VÊ

Autor: Eliane Brum
Editora: Arquipélago
Preço: R$ 35,00 (208 págs.)

 

 

 

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