Literatura

Pequenos episódios, um bocado bizarros

8 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Paul Klee

Matteo perdeu o emprego, romance do português Gonçalo M. Tavares, é um dos finalistas do Prêmio Portugal Telecom deste ano. A narrativa, fragmentada, é ao mesmo tempo uma ficção e um ensaio sobre esta ficção, com notas explicativas a respeito dos temas apresentados. O livro é, assim, dividido em duas partes: uma, a reunião de vinte e seis fragmentos, nomeados de acordo com o nome de cada personagem que os protagoniza, organizados em ordem alfabética: Aaronson é um homem que diariamente, durante anos, caminha por meia hora passando por uma rotatória, até o dia em que muda o sentido de seu trajeto e é atropelado; a narrativa passa para Ashley, o homem que o atropelou, deste para Baumann, e assim sucessivamente até o Matteo que perde o emprego que dá nome ao título, cuja história, por sua vez, encontra-se com a de outra personagem, Nedermayer, que remete ao princípio do romance, embora não chegue a fechar um círculo com o Aaronson inicial. A segunda parte do livro, intitulada “Notas sobre Matteo Perdeu o Emprego”, faz as vezes de um posfácio crítico, em que o autor reflete sobre temas e recursos usados  na narrativa, como, por exemplo, a arbitrariedade da ordem alfabética.

Um livro engenhoso, reflexivo. Encadeado por inusitados pormenores comuns, é profundamente lúdico. 

Em entrevista, concedida ao jornal Zero Hora, Gonçalo Tavares disse que as notas não pretendem explicar a narrativa: “Penso que é realmente uma segunda parte na qual eu faço uma reflexão sobre o texto narrativo. Mas eu espero que esse ensaio final abra ainda mais leituras e mais interpretações. É também um comentário, uma reflexão muito elíptica, que dá uma interpretação mas também abre um espaço”. O escritor falou também da questão do círculo, presente desde o primeiro fragmento como a rotatória pela qual caminha a personagem: “Interessava-me pensar a questão do círculo. Há outras rotundas que aparecem no livro, e é como se elas espelhassem a própria forma da obra, como se o próprio livro fosse uma rotunda, ainda que mal feita, no sentido de que não termina no mesmo ponto em que começou. […] A questão principal era adequar os episódios como se fossem peças de dominó, ou seja, a partir do momento em que se começa a contar a primeira história, aquela primeira personagem cruza-se com uma segunda, a segunda cruza-se com uma terceira, a terceira fala de uma quarta… Matteo Perdeu o Emprego é um pouco a história das ligações possíveis entre diferentes histórias. Não me interessava aqui um personagem concreto ou um tema concreto. Talvez o tema chave seja a questão da circunferência”. Outra questão em que o romance toca é a dos caminhos e cruzamentos, sobre o que Tavares disse: “[…] parte da cidade é basicamente uma rede de cruzamentos sucessivos. Matteo Perdeu o Emprego é realmente sobre essa questão dos caminhos, de ir pela esquerda ou pela direita. Eu vejo a cidade como se fosse uma máquina composta por vários cruzamentos que mais não fazem do que separar as pessoas”. Por fim, o escritor aponta que o livro consegue unir a utilização de temas abstratos e fantásticos a um realismo; para ele, o livro “é ao mesmo tempo um livro realista e fantasioso, bizarro. E, portanto, é uma mistura entre qualquer coisa que poderia acontecer mas que era muito improvável acontecer, era estranho. Há uma coisa no livro que me interessa muito, que é o contraste entre este tom por vezes estranho, quase no limite da irracionalidade que marca as histórias, e depois o tom muito racional e reflexivo que marca o posfácio interpretativo. Me interessava escrever as histórias, ligá-las e depois pensar como escrever racionalmente, reflexivamente, sobre histórias que têm um tom não realista”.

Em outra entrevista, concedida ao blog “Máquina de escrever”, do jornalista Luciano Trigo, Tavares disse, sobre sua linguagem literária: “Em Matteo perdeu o emprego, a linguagem realmente tenta ser direta, mas eu diria que em geral a linguagem dos meus livros tenta misturar a exatidão e a ambiguidade. O que eu tento, não sei se consigo, é ser o mais sintético possível. Se eu conseguir dizer ou transmitir uma ideia com sete palavras em vez de 20, prefiro realmente usar sete. O meu trabalho é iluminar palavras, fazer uma escrita que não tenha palavras a mais, totalmente seca. Mas isso não tem a ver com uma exatidão matemática, é uma secura completamente diferente, uma exatidão ambígua, que leva a milhares de interpretações”. Segundo ele, o romance, se comparado aos seus outros livros publicados, “é um livro muito distinto da série dos bairros, tem a ver com um ponto de vista mais lúdico e remete para um mundo paralelo, em uma espécie de utopia ficcional”.

 

 

MATTEO PERDEU O EMPREGO

Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: Foz
Preço: R$ 34,90 (160 págs.)

 

 

 

 

 

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