Em Raízes do riso – A representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio, o historiador Elias Thomé Saliba perpassa a história do Brasil sob o prisma do riso enquanto invenção histórica e representante de valores. Analisando como o humor criou-se no Brasil, desde o final do século XIX até a década de 1940, o livro mostra a relação entre a produção humorística brasileira e o processo de modernização do país através da participação na criação de um novo jornalismo e no desenvolvimento de novos meios de comunicação, e como, pelas inovações no uso da língua esta produção também aproximou a cultura escrita da tradição oral.
Saliba analisa o humor na imprensa diária ou semanal, nos palcos dos teatros de revista, nas gravações de discos, filmes e programas de rádio. O período que sua pesquisa cobre, aponta o destaque que a produção humorística teve na vida nacional, ainda que jamais tenha feito parte do cânone de consagração da chamada alta cultura. Ainda que não reconhecidos como tal, as críticas irreverentes dos humoristas, suas brincadeiras com a linguagem e com os costumes, formaram a crônica de um período de profundas transformações históricas no Brasil e inclusive contribuíram para moldar uma identidade brasileira.
O texto de Saliba é todo intermeado por divertidas anedotas e caricaturas, oferecendo um ponto de vista original sobre a visão de mundo dos brasileiros através de seu senso de humor.
O historiador, em entrevista concedida a Márcia Junges, diz que o riso brasileiro nasceu “para compensar um déficit emocional em relação aos sentidos da história brasileira; ela misturou-se à vida cotidiana, daí a sua constante remissão à ética individual. Entre a dimensão formal e pública e o universo tácito da convivência personalista construiu-se uma fragmentada representação cômica do país, dando ao brasileiro, naqueles efêmeros momentos de riso, a sensação de pertencimento que a esfera política lhe subtraíra”. As raízes do riso brasileiro, portanto, estaria estreitamente vinculada à “ética emocional”. Segundo Saliba, a produção humorística é um espelho a sociedade: “Tudo indica que pelo humor, o brasileiro apropriava-se, por momentos, do espaço público, que lhe era negado pelo poder republicano nas suas mais variadas e perversas formas de exclusão social”. O riso é, portanto, também uma arma política. Questionado sobre o que seria o humor tipicamente brasileiro, o autor diz: “Eu acho que é difícil definir uma vocação típica do humor, não só brasileiro, mas de qualquer outra cultura, porque o humor é uma modalidade de experiência tão diversa, tão multifacetada, que é difícil teorizar sobre ele. Mas eu arrisco: eu acho que o humor brasileiro típico é paródico. Mas não paródia no sentido original, de “canto paralelo”. A vida do brasileiro é tão cheia de incongruências que, para fazer humor, ele faz uma paródia da vida real. Eu me lembro aqui, por exemplo, da frase do Paulo Emílio Salles Gomes analisando o Mazzaropi e a chanchada: ele dizia que nossa capacidade paródica resulta “daquela nossa incapacidade criativa de copiar…” Eu acho que isso tem a ver com a nossa história brasileira, porque, se a realidade já é engraçada, basta que façamos uma paródia do real”.
Em resenha, Tania Regina de Luca aponta que, no texto de abertura, o historiador dá particular destaque à “discussão a respeito da crise e desarticulação das definições clássicas do humor, ancoradas na procura da essência do risível, e as análises, produzidas justamente no período estudado, das reflexões de Bergson, Freud e Pirandello que, a partir de perspectivas diferentes, enfatizaram o caráter histórico do humor e do cômico. Elias Saliba bem assinala o lugar central então ocupado pelas narrativas sobre a nação, temática que já possuía considerável tradição, mas que se revestiu de novos significados e conteúdos na passagem do século XIX para o XX. As representações humorísticas, assinala o historiador, desempenharam papel de relevo no processo de invenção das imaginações nacionais, e se fomentaram estereótipos, também contribuíram para modificá-los e desmistificá-los. Nessa perspectiva, cabe questionar: O que significaria, então, ser brasileiro num momento de aceleradas mudanças, marcado pela Abolição, República e pelo irromper dos substratos materiais da modernidade? Já éramos uma nação? O que nos faltava para atingir a completude ou, num tom mais pessimista, seria possível realizar tal proeza algum dia? Dilemas que também foram enfrentados pelos humoristas, como demonstra a primorosa pesquisa realizada”.
Autor: Elias Thomé Saliba
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 44,10 (366 págs.)