O luto do historiador Boris Fausto transformou-se em um belo livro: a princípio voltado a reflexões dolorosas sobre o falecimento de sua esposa, com quem foi casado por 49 anos, paulatinamente abre-se para questões despertadas pela observação cotidiana da vida marcada pela ausência.
O título O brilho do bronze remete às letras das lápides. Boris Fausto, um dos intelectuais mais respeitados do Brasil cujos últimos livros escritos foram de memórias – Negócios e Ócios [Companhia das Letras,1997] e Memórias de um Historiador de Domingo [Companhia das Letras, 2010] –, porém mantendo a objetividade do historiador, aqui tece reflexões subjetivas e sinceramente humanas através de um diário, pautado pelas visitas à lápide de Cynira Stocco Fausto: “Não consigo e nem quero pensar que há ali apenas um memorial. Prefiro pensar que, de algum modo, nos comunicamos com muito amor”, escreve. O diário iniciou-se um mês após o falecimento da educadora Cynira e foi mantido pelos quatro anos seguintes. Questões como o tempo verbal com o qual deve referir-se às evocações de memórias da mulher – “era” –, o uso do termo morte ou falecimento – “A morte é definitiva, o nunca mais, o never more. Falecimento lembra desfalecimento, saída de cena temporária”, diz –, a gravidade da finitude, o sentimento de amputação que fica ao que permanece vivo, são tematizadas ao longo dos textos.
A perplexidade diante da morte de uma pessoa tão próxima não afasta, porém, Boris Fausto de seu toque humorado às observações. Por exemplo, o historiador diz-se horrorizado com a fala católica de que ao sétimo dia o falecido estaria a contemplar a face divina: “Cruz-credo, o vazio do tempo, o infinito, olhos fitos na divindade – sem pestanejar?”.
O livro é um verdadeiro testemunho da tentativa de sobrevivência do autor. E, além da experiência do luto, é ao mesmo tempo uma crônica da cidade de São Paulo e reflexão sobre o atual momento histórico brasileiro.
Em entrevista concedida ao jornalista Marco Rodrigo Almeida para o jornal Folha de São Paulo, Boris Fausto conta, sobre o surgimento do diário e da ideia de publicá-lo: “Depois que a Cynira morreu, eu fiquei naquele transe e decidi escrever um diário para mim, com a intenção primeira de circular entre os íntimos. Não havia inicialmente a intenção de publicar. Mas os amigos se interessaram. A Marta Garcia, editora que já vinha comigo da Companhia das Letras, leu o começo, gostou e quis publicar. Daí resolvi continuar a escrever, mas já sabendo que seria lido por um público mais amplo”.
O psicanalista Contardo Calligaris, em artigo escrito também para a Folha, aponta: “Quando passamos por um luto, muitos amigos e parentes apostam no mesmo pressuposto e sugerem que a gente dê um jeito para se distrair e para “esquecer” logo. Pois bem, o tal pressuposto é errado: “fazer o luto” nunca significa esquecer quem e o que perdemos –ao contrário, para “fazer o luto” e sair minimamente da “fossa” é necessário se lembrar. Talvez isso aconteça porque se lembrar de quem morreu é um jeito de manter o morto em vida, dentro de nós”. O luto não deve significar esquecimento e “quase todos os autores sérios concordam é a recomendação que o luto se expresse numa atividade concreta”, como criar ou produzir algo que torne tangível a memória, “por exemplo, escrever um diário do luto, contando como ele ou ela lhe fazem falta, mas continuam na sua vida”. Como o fez Boris Fausto. Calligaris declara, é “Fazia muito tempo que não eu lia nada tão verdadeiro, tão honesto e tão justo. Terminei o livro numa sentada só e guardo ele ao alcance da minha mão; claro, é porque posso querer reabri-lo de vez em quando, mas não é só por isso: “O Brilho do Bronze” é uma obra companheira, como os “Ensaios” de Montaigne ou as melhores coisas de Roland Barthes –quero que o livro fique comigo e me acompanhe durante um tempo”.
Um livro comovente e profundo.
A Cosac Naify disponibiliza um trecho para visualização.
Autor: Boris Fausto
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 27,93 (240 págs.)