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Histórias de fantasma para adultos

18 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Botticelli

 Lançamento pela Companhia das Letras, Histórias de fantasma para gente grande é uma coletânea de nove textos do historiador da arte alemão Aby Warburg (1866-1929). Os textos, entre ensaios, palestras e esboços, produzidos entre 1893 e 1929, foram reunidos e selecionados pelo sociólogo Leopoldo Waizbort, professor da Universidade de São Paulo. O conjunto abrange momentos de toda a vida intelectual de Warburg, de seus primeiros escritos até o derradeiro.

A cultura do Renascimento na Itália é o ponto em torno do qual de certa maneira orbita todo o pensamento de Aby Warburg. A partir de suas pesquisas sobre ela, o autor partiu para reflexões sobre as manifestações culturais da Antiguidade, a Reforma Protestante, o Humanismo, pesquisou diversos países do Oriente e os indígenas norte-americanos, a arte do século XIX e mesmo os selos postais do século XX. Sua obra tornou-se, assim, fonte inesgotável de interesse para historiadores da arte, antropólogos, filósofos, sociólogos, pesquisadores da imagem, filólogos, psicólogos.

Segundo o professor Karl Erik Schøllhammer, em artigo publicado no jornal O Globo, contextualiza a relevância intelectual do historiador: “Os historiadores da arte nunca deixaram de ler e reler a obra de Warburg, e os trabalhos de E.H. Gombrich e Panofsky não seriam compreensíveis sem a referência a ela. Entretanto, a ideia da atualidade do pensamento de Warburg traz uma conotação “muitas vezes frívola ou superficial: atualizamo-nos apressadamente, e tudo continua como antes”, como observou o historiador italiano Carlo Ginzburg já em 1966, quando escreveu um ensaio importante sobre o método de Aby Warburg, por ocasião da publicação em italiano de textos do autor e de seus principais discípulos, F. Saxl e E. H. Gombrich”. Pois, para Schøllhammer, é “exatamente a questão de outra visão de temporalidade histórica, de um conceito não banal de “atualidade”, presente na empreitada de Warburg, que chamou a atenção de pensadores diversos como Ginzburg (que fez parte de sua formação no Instituto Warburg em Londres), o filósofo italiano Giorgio Agamben e o historiador da arte francês Georges Didi-Huberman. Nessa discussão, é fundamental a ideia de sobrevivência (Nachleben) de tópicos e imagens do passado por uma relação sensível, empática ou patética (Pathosformel)”. O professor analisa: “O que em Warburg talvez tenha sido elemento de uma teoria de evolucionismo psicológico inspirado, entre outros, no estudo ignorado de Darwin “A expressão de emoção em animais e homens” (1872), contribui agora para uma teoria da capacidade expressionista da imagem (Ausdruchkunde) como parte de uma psicologia social ou cultural mais ampla. Eis a abordagem de Georges Didi-Huberman, que detecta nas obras de Warburg uma “arqueologia do Pathos” e sua potência numa memória coletiva expressa na arte. […] É assim que Giorgio Agamben entende as fórmulas patéticas. São cristais de memória histórica que trazem do passado algo que apenas sob o encontro com algum estímulo do presente se revela parte espectral da História. Este argumento aprofunda a ideia de “sobrevivência” (Nachleben) de Warburg, que aponta para uma complexa visão diacrônica da História em diálogo com as teses da História de Walter Benjamin e também com o conceito de “a posteriori” (Nachträglichkeit) de Freud”.

Georges Didi-Huberman escreveu um livro, intitulado A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg [Contraponto, 2013]. Sobre ele, a antropóloga Julia Ruiz Di Giovanni, em resenha, aponta, sobre os modos de pensar de Warburg, tal como pensados por Didi-Huberman: “Demonstrando influências explícitas e implícitas nos estudos deste ‘antropólogo das imagens’ – Burckhardt e Nietzsche, Lucien Lévy-Bruhl, E. Tylor, ­Darwin, entre outros – e propondo relações intensas entre sua abordagem e as proposições de contemporâneos – Sigmund Freud e Walter Benjamin, fundamentalmente –, Didi-Huberman busca destacar elementos para uma apreensão de Warburg que vai muito além da história da arte antiga e do Renascimento a que este em princípio se dedicara. Para o autor, trata-se fundamentalmente de reconhecer em Warburg modelos temporais, culturais e psíquicos que abrem a história da arte a ‘problemas fundamentais’, em grande medida ‘impensados’ da disciplina, não por fornecer-lhe uma lei geral alternativa, mas por colocar as singularidades das imagens para funcionar na descrição das relações entre modos de figuração e modos de agir, de saber ou de crer de uma sociedade: ‘passamos de uma história da arte para uma ciência da cultura’”. De acordo com Giovanni, o estudo “detido de Didi-Huberman – organizado em três grandes segmentos: a imagem-fantasma, a imagem-páthos e a imagem-sintoma – oferece uma série de elementos a serem problematizados no percurso […] de formulação de teorizações mais gerais sobre a cultura que tenham a arte e as imagens como foco e como perspectiva a partir da qual pensar as relações sociais e sua historicidade”. A antropóloga analisa que, inspirado por Burckhardt, Warburg reconheceria “a complexidade da articulação temporal como uma articulação formal […]. Na arte, a forma dos detalhes, o movimento dos adornos ou as nuances cromáticas são vestígios dos conflitos em ação no tempo, as formas são portanto vivas, portadoras de jogos de força em estado de latência. […] Warburg definiria a história das imagens que praticava como uma “história de fantasmas para gente grande” […], pois desvelava em sua temporalidade específica, híbrida, a palpitação de conflitos que, apesar de enterrados, pareciam nunca encontrar repouso”.

A Companhia das Letras disponibiliza um trecho para visualização.

 

warburg

 

HISTÓRIAS DE FANTASMA PARA GENTE GRANDE – ESCRITOS, ESBOÇOS E CONFERÊNCIAS

Autor: Aby Warburg
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 38,43 (424 págs.)

 

 

 

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