Literatura

Ilusões, ou não

15 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gustave Courbet

Gustave Courbet

A origem do mundo, do chileno Jorge Edwards, é considerado um dos melhores romances da literatura hispânica das últimas décadas. A narrativa tematiza, de maneira a um só tempo trágica e bem humorada, a decadência e o renascimento do amor e do desejo, o fracasso dos sonhos políticos e a ficção como elemento de resistência indispensável à vida. Segundo Mario Vargas Llosa, uma história “divertida e inesperada” e a de “construção mais astuta” dentre as obras de Edwards.

Os protagonistas são um casal de médicos exilados em Paris após o golpe de Pinochet, em 1973. O casal convive com um amigo, um boêmio livre e sedutor, notável pela inteligência crítica corajosa.

Entre questões íntimas e relações políticas, o quadro de Courbet, “A origem do mundo”, desperta suspeitas conjugais e uma mortificante crise de ciúmes – que desenvolve-se em uma tonalidade nem um pouco alheia à de Machado de Assis em Dom Casmurro, coincidência provocada em forma de diálogo histórico-literário, pois o autor brasileiro é não só admirado como foi profundamente estudado por Edwards.

O jornalista Diogo de Hollanda, em resenha publicada pelo jornal O Globo, resume o fio narrativo: “Ambientado em Paris, poucos anos depois da queda do regime de Augusto Pinochet (1973-1990), o romance tem como protagonista — e narrador em oito dos 11 capítulos — o médico chileno Patricio Illanes, que se exilou na capital francesa durante a ditadura militar. Ex-membro do Partido Comunista chileno e defensor até a última hora dos governos de Cuba e da União Soviética, Illanes chegou a ser um dos cabeças do exílio chileno, mas agora, bem entrado nos 70 anos, leva uma vida mais sossegada, com o respaldo prudencial das sestas e dos indefectíveis sucos de limão.
Seu apego à racionalidade, contudo, se mostra invariavelmente falho na hora de conciliar suas duas grandes referências afetivas: a mulher Silvia e o amigo Felipe Díaz, um inveterado sedutor que, em inúmeros aspectos, representa o exato oposto do médico. Enquanto Illanes cuida da saúde e está casado há trinta anos, Díaz não dispensa o uísque e se deita a cada noite com uma mulher diferente. Enquanto o primeiro protelou ao máximo o abandono do comunismo, o segundo mandou Fidel e Stalin prontamente às favas, encontrando na luxúria uma aparente compensação para a perda das ilusões políticas”.
Hollanda define: “Fabuladores desenfreados e investigadores compulsivos, os ciumentos são tradicionalmente personagens promissores, alicerçando estruturas detetivescas e intensificando a trama com uma geografia de extremos — que sai do céu para o abismo numa fração de segundos. Coube ao talento de Jorge Edwards criar um tipo singular, que, às preocupações profundas provocadas pelo ciúme, acrescenta o temor constante de uma síncope ou uma parada cardiorrespiratória”.

Ao ciúme e os sentimentos dele decorrentes, o autor articula questões sobre ideologias políticas, por um lado, sobre o envelhecimento, por outro, criando um romance profundo e capaz de despertar em concomitante multiplicidade nuances sobre a representação, a ficção e a realidade.

O autor venceu o Prêmio Cervantes em 1999. Ao lado de José Donoso (1924-96), Edwards é um dos ícones da chamada Geração de 50 chilena.

A Cosac Naify disponibiliza um trecho para visualização.

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Tudo começou na segunda ou terça-feira da semana passada, na frente do quadro. Começou como uma ocorrência repentina, como uma pergunta. Não passou de uma brincadeira, mas depois da noite da última segunda-feira, depois que encontraram o cadáver, essa brincadeira, da qual não tinha me esquecido, veio a adquirir matizes mais inquietantes, menos leves. Matizes mais escuros, digamos assim.

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A ORIGEM DO MUNDO

Autor: Jorge Edwards
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 20,93 (160 págs.)

 

 

 

 

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