“Como se os deuses quisessem provar que um museu só volta à vida quando eles decidem, a estação das chuvas está a cair no pátio toda de uma vez. A água desaba em lençóis e acendem-se relâmpagos que depois ribombam. Começa a subir um cheiro intenso a terra. As árvores brilham. As copas agitam-se. O céu ruge. Os turistas correm”.
A jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho é um dos nomes confirmados na programação da FLIP. Ela vai dividir uma mesa com a argentina Beatriz Sarlo, sobre suas experiências literárias enquanto reflexões de turistas aprendizes.
Viva México é um interessante livro, cujos textos, escritos à guisa de artigos de uma viagem jornalística, extrapolam contudo a classificação de livro-reportagem.
Enviada pelo jornal português Público, a autora começou a escrever partindo da constatação, já em solo mexicano: “Não sei nada do México e tenho uma mochila”. Diante daquele país que lhe parece gigantesco e contraditório, complexo e comovente, a um só tempo agressivo e acolhedor, a jornalista pontua: “O México dá vontade de chorar, um choro de séculos em que não percebemos porque choramos, se somos nós que choramos, se não seremos nós já eles. Nunca, em lugar algum, me pareceu que tudo coexiste, tempos e espaços, cimento e natureza, homens e animais, até aceitarmos que o nosso próprio corpo faz parte daquela amálgama acre, ligeiramente ácida, de pele suada com muito chile”.
A prosa de Alexandra Lucas Coelho desenvolve uma articulação entre a crônica de viagens e uma reportagem, em que identifica um perfil sócio-cultural mexicano. A riqueza de referências políticas, sociais e econômicas faz do livro o retrato de um panorama histórico. “Este Novo Mundo começa no extermínio, e isso há-de significar qualquer coisa. No tempo indígena significa que o extermínio histórico faz parte do presente”, sugere a autora.
A autora sabe contar histórias, pontuando-as com sua escrita clara, direta, por vezes lírica, sempre atenta a detalhes e a fantásticos achados verbais.
Um colega do jornal Público, José Riço Direitinho, comenta, em artigo, que o livro, “mais do que um diário é um livro de histórias, de histórias verdadeiras onde a autora consegue partilhar com o leitor o assombro, a alegria, o horror, o choro e a comoção de viajar num país que é como é porque, como escreveu J. M.G. Le Clézio, resultou do enfrentamento de dois sonhos desmesurados: o cruel e devorador “sonho de ouro dos espanhóis”, e o “sonho antigo dos mexicas”, que era a chegada de homens guiados por Quetzalcoátl, o deus-serpente emplumada, vindos para “reinar de novo entre eles”. Segundo Direitinho, em Viva México há uma “dimensão poética que o eleva acima de um comum livro de viagens, isto é grande “literatura de viagens”. E não apenas por estar também povoado de escritores e poetas (Carlos Fuentes, Octávio Paz, Carlos Monsiváis), mas porque há um verdadeiro e talentoso trabalho com as palavras, como por exemplo o que a autora faz ao intercalar na narração palavras castelhanas com um toque tipicamente mexicano. Este livro é uma delícia, que sem dúvida poderá ombrear com os clássicos do gênero”.
Alexandra Lucas Coelho já viajou o mundo atrás de histórias. Além de Viva México, escreveu Caderno afegão [Tinta Negra, 2012] e Oriente Próximo [sem edição brasileira]. A autora aventurou-se também pelo romance, em E a noite roda [Tinta-da-China, 2012], uma história sobre dois jornalistas e seus encontros e desencontros ao redor do mundo.
Viva México, dentre seus livros de viagens e reportagens, é um livro mais pessoal, mais narrativo, atento às pessoas e às particularidades cotidianas, linguísticas, culturais.
Em entrevista, porém, a autora diz: “A ficção não me interessa em nada, só o real”.
Segundo o escritor Paulo Scott, o “México deste começo de século é difícil de diagnosticar. Ao lado de uma das mais belas tradições culturais do planeta está uma das mais assombrosas lógicas de violência. Sobretudo no que possui de próximo e dependente dos Estados Unidos da América, o México é o inferno na terra para muitos analistas. Alexandra Lucas Coelho, uma das jornalistas mais talentosas de sua geração, desce a esse inferno e demonstra que, mesmo quando a esperança dá sinal de desaparecer, não é só inferno. Em torno das sociedades complexas há sempre fortuna e maldições. É preciso curiosidade e paixão para se dispor diante dos seus quadros intermináveis, mas é preciso inteligência para desconfiar do que está na superfície, e do que a separa dos fragmentos incomensuráveis do fundo. Aqui, um livro único não apenas sobre o México, mas sobre o que ainda há de humano em nós e – apesar do conformismo dos que, no fim das contas, ganham apenas migalhas da brutalidade e dos grandes pactos financeiros a todo custo precisa ficar”.
Autor: Alexandra Lucas Coelho
Editora: Tinta da China
Preço: R$ 52,00 (369 págs.)