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Arqueologia da política

18 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Arthur Briscoe, “O orador”, 1926

Arqueologia da política, de Paulo Butti de Lima, acaba de ser lançado no Brasil pela editora Perspectiva. O livro é uma leitura profundamente interessante da República platônica. Foi originalmente escrito em italiano, sob o título Archeologia della politica: letture della “Repubblica” di Platone, em 2012, pois Butti é professor da Univerisdade de Bari e responsável científico da Scuola Superiore di Studi Storici da Univerisdade de San Marino.

Butti indica, no início de sua introdução, que o argumento deste estudo “é a ‘natureza’ da política”, conforme compreendida por Platão. Sua reflexão desenvolve-se sobre a análise do poder e do conhecimento que a ele se dedica.

O discurso político é, neste argumento, central e, junto com sua teoria, “devem ser considerados segundo um processo que é, ao mesmo tempo, formal e temporal”: é nesse sentido que o autor pode falar de uma “arqueologia” da política, enquanto viés investigativo tanto das formas revestidas pelo discurso político, quanto do reconhecimento do momento inicial deste discurso como fundador de toda a tradição política vindoura.

Butti mostra o problema que surge quando Platão recorre ao vocabulário da cidade [pólis], pois, diz o professor, entre ela e o cidadão [polítes], “o termo politikós não se explica facilmente, quer atribuindo-o a formas de conhecimento (arte ou ciência política), quer a alguns cidadãos (homem ‘político’)”.  

O próprio saber político é colocado em questão. Segundo o editor J. Guinsburg: “O problema dilemático central da não unidade e dos limites do saber a que o observador, o legislador e o governante recorrem para chegar aos seus pontos de vista ideológicos ou pragmáticos são examinados inclusive sob o ângulo da natureza do saber, no confronto das teses e das opções que alimentam a dinâmica da vida estatal”.

Observando as personagens que, na República, participam do saber político (segundo Butti, “do conhecimento enquanto político e da política enquanto conhecimento”), mencionadas por J. Guinsburg, o percurso analítico do estudo inicia-se pelo “guardião”, o protetor ou defensor da cidade, figura através da qual Butti compara a noção de poder à atividade pastoral. Em seguida, ele trata da educação do guardião, mostrando como “a análise poética, desenvolvida em vista de um projeto educativo, deva ser lida em sobreposição à prosa pública, a ‘prosa da cidade’. A ‘poesia’ ou ‘música’ dos guardiões é um antídoto para discursos políticos e judiciários e se transforma em uma nova prosa, que diz respeito à compreensão da alma e do caráter dos cidadãos”. Nas palavras de Guinsburg, articula-se nesta questão “igualmente o papel não só da ética como da estética, em termos de poesia, ou música, em um projeto pedagógico platônico que deveria constituir parte integrante da ‘prosa’ de uma cidade, não apenas reduzida aos discursos e lutas partidárias e judiciárias, mas empenhada na busca de um novo ‘discurso’ capaz de expressar e falar à alma e ao caráter dos cidadãos, elevando-os às alturas de possíveis ideais”.

O estudo de Paulo Butti de Lima conclui sua interpretação sobre a gênese da política na República platônica levantando a questão central deste diálogo, acerca da possibilidade de unir conhecimento, encarnado na figura do filósofo, e poder, encarnado na figura dos guardiões. Diz o autor: “constatamos agora que o acordo sugerido e negado entre esses dois personagens – o filósofo e o governante – ilumina os paradoxos do conhecimento políticos e os interrogativos platônicos a seu respeito”. Pela combinação de filosofia e poder, a figura do filósofo, na República, seria identificada com o guardião perfeito, figura criada para governar a cidade justa. Entre ambas figuras, do guardião e do filósofo, Platão articula, assim, uma reflexão sobre a natureza do poder; essa reflexão baseia-se na guerra, em concordância, diz Butti, com a “fundação da cidade justa no conflito e na apropriação”. A inadequação, porém, da figura do filósofo à do guardião, autoriza a investigação de uma “arqueologia” da política a partir da análise das formas concretas de governo.

O elemento propriamente político da cidade, diz o autor, não pode ser introduzido sem recorrer ao controle e à violência realizados por seus defensores. O “projeto platônico”, diz Butti, “elimina, após o primeiro momento de fundação da cidade, a ilusão da convivência harmoniosa entre os indivíduos, enquanto participantes bem integrados e pacíficos da vida comunitária mais simples. Afastando-se da primeira forma de organização social, os homens põem-se inevitavelmente a agredir e a apropriar. Não é difícil observar que é em virtude de um ímpeto agressivo, mais do que por exigências de defesa, que se afirma a figura dos guardiões”. A figura do guardião é introduzida por Sócrates enquanto desenvolvimento do projeto de criar uma cidade “com palavras”. Platão acentua a dimensão política da arte da palavra.

De acordo com Butti, “arte da guerra e retórica são os dois termos de comparação quando é preciso entender a natureza da política e das formas de atribuição do poder na cidade democrática”. Os apêndices aos ensaios que compõem este volume dedicam-se a mostrar como Platão leva às extremas consequências a reflexão sobre estes dois campos do poder político, o “poder” da retórica e os limites políticos da habilidade militar.

Com a editora Perspectiva, Butti também publicou Platão: uma poética para a filosofia [2004] e organizou o volume de David Ascheri, O Estado Persa [2006]. O professor é internacionalmente reconhecido por seus estudos do universo platônico e da história das doutrinas políticas.

No atual momento crítico da política brasileira, a reflexão a que Arqueologia da violência instiga ilumina lógicas políticas e questões sobre a natureza e os limites do poder e dos discursos que promovem sua dialética.

 

 

ARQUEOLOGIA DA POLÍTICA

Autor: Paulo Butti de Lima
Editora: Perspectiva
Preço: R$ 34,30 (192 págs.)

 

 

 

 

 

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