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Natureza inquietante

14 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

retrato de Ivan Búnin, por Leonard Turzhansky

A editora 34 acaba de lançar O amor de Mítia, do russo Ivan Búnin (1870-1953), sob a primorosa tradução de Boris Schnaiderman, que beira os cem anos de idade.

Búnin, em 1933, foi o primeiro escritor russo a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Sua obra, por uma lado, é grande herdeira da prosa realista russa do século XIX, sobretudo a de Tolstói. Porém, sua sua ficção conhece de perto as fraturas abertas pela modernidade.

Segundo Boris Schnaiderman, este é um dos textos mais vigorosos por ele já traduzidos.

A novela foi publicada pela primeira vez em 1925. Narra o drama da consciência de um rapaz, Mítia – diminutivo de Dmítri -, que descobre a força do desejo e do sentimento amoroso em toda a sua dolorosa intensidade. Sua história inicia-se em São Petersburgo e logo se desloca para os campos de Oriol, paisagem cara ao autor desde a infância.

A natureza russa, descrita com uma minúcia lírica estonteante, ocupa todos os cantos da leitura. Por meio de sucessivas metamorfoses e uma estreita simbiose, a magnífica natureza russa anuncia as terríveis ambiguidades que definirão o destino do protagonista. O sofrimento amoroso pesará profundamente em sua vida.

Rainer Maria Rilke afirmava predileção pela obra. Segundo o poeta, a vastidão do afeto que Mítia projeta sobre Kátia tem um caráter “profundamente espacial”. Búnin foi escritor também admirado por Thomas Mann, Vladímir Nabókov, André Gide. Segundo Ettore Lo Gatto, grande especialista em literatura russa, Búnin é considerado um dos maiores narradores da literatura russa contenporânea. Para o crítico, é rica sua evolução artística, que vai do lirismo melancólico dos primeiros versos e contos, até o estilo trágico e duro das últimas novelas; do período do exíliol, o crítico aponta, O amor de Mítia é a mais perfeita dentre as obras, pequeno romance, espécie de poesia em prosa

A textura de sua prosa e de sua poesia é por vezes comparada a um brocado, um trabalhado tecido de seda lavrado com relevos bordados de ouro ou prata. Búnin escreveu poesia, romances, memórias e contos. Sobre seus contos, o professor Bruno Gomide diz: “Em raros momentos da literatura russa, natureza, morte, acaso e amor foram compactados com tamanha perfeição em pequenas narrativas da transitoriedade”.

No Brasil, já havia sido publicado o volume Contos escolhidos [Amarylis, 2014], selecionados e traduzidos por Márcia Pileggi Vinha. Em resenha dedicada a este volume de contos, a professora Aurora Bernardini conta: “ ‘Não adianta, sou um homem do passado, meu mundo é o de Tolstói, de Gontchárov’, dizia Búnin, que havia rompido com Górki, seu antigo incentivador, obviamente por considerar efêmero  e negativo o novo regime, pouco antes de emigrar com a mulher, em 1920, para se estabelecer na França, onde, na casa que alugou nos Alpes, abrigou refugiados, durante a 2ª Guerra. No entanto, seu ceticismo negativista, como foi chamado – sempre atento aos menor ritmos, aos menore indícios, o estilo conciso, as conclusões abruptas – não é, em nada, ‘passadista’, mas prova de uma atualidade às veze profética”.

Búnin encontrava-se em exílio quando ganhou o Prêmio Nobel, o que, em seu discurso, enfatizou. Disse ele: “Pela primeira vez desde a fundação do Prêmio Nobel, vocês premiaram um exilado. Quem sou na verdade? Um exilado gozando da hospitalidade da França, a quem devo um eterno saldo de gratidão. Mas, senhores da Academia, deixem-me dizer que, indiferente de minha pessoa e meu trabalho, sua escolha é, em si própria, um gesto de grande beleza. É necessário que haja centros de absoluta independência no mundo. Sem dúvida, todas as diferenças de opinião, de crenças filosóficas e religiosas estão representadas ao redor desta mesa. Mas estamos unidos por uma única verdade, a liberdade de pensamento e consciência. A essa liberdade, devemos a civilização. Para nós, escritores, especialmente, a liberdade é um dogma e um axioma. Nossa escolha, senhores da Academia, provou uma vez mais que na Suécia o amor pela liberdade é realmente um culto nacional”.

 

 

O AMOR DE MÍTIA

Autor: Ivan Búnin
Editora: 34
Preço: R$ 29,40 (128 págs.)

 

 

 

 

 

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