Artes Plásticas

A arte mágica de Grassmann

10 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Marcello Grassmann

Novamente a (falta de) organização do Prêmio Jabuti cometeu a deselegância de revogar a decisão final, após formalmente anunciada, dos vencedores em algumas categorias. Um deles, que vencera em segundo lugar, mas que foi retirado dos três finalistas dentre os livros de arte, é o ótimo Marcello Grassmann 1942-1955. Tratando-se de um dos principais prêmios do país, francamente, a recorrência de nova apuração, decorrente de falha organizacional, é algo pouco plausível.

O livro em questão cobre um significativo período da produção de um dos mais importantes e interessantes gravadores brasileiros. Grassmann, morto no ano passado, aos seus 88 anos, é conhecido pela poética que desenvolveu através da invenção de um universo próprio, povoado por seres fantásticos remissivos às histórias de cavalarias medievais: suas figuras, muitas vezes criaturas monstruosas, tem uma delicadeza lúdica, compostos por traços que formam desenhos tão trabalhados quanto luminosos. O período a que se dedica esta edição cobre a obra de Grassmann desde o curso técnico no Instituto Profissional Masculino de São Paulo, onde aprendeu o ofício de entalhador, até seu retorno de Viena em 1955, após ter exposto as xilogravuras de topo na Galerie Würthle, produzidas durante sua estadia naquela cidade. Grassmann viveu na Europa entre os anos de 1953 e 1955, época em que se dedicou à litografia, à xilogravura e ao desenho. Durante aqueles anos, preencheu cadernos com desenhos a bico de pena, feitos com nanquim, com extrato de nogueira e outras tintas que preparava.

O livro, em edição caprichada dividida em dois volumes, foi organizado por Mayra Laudanna – doutora em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP – e Leon Kossovitch é crítico de arte e professor de Estética no Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – e publicado pela Edusp. Um dos dois volumes, “Caderno de Viagem”, é a reprodução fac-similar de um dos referidos cadernos de desenho feitos durante a estadia européia, que foi dedicado a Sonya Grassmann. O outro volume contém um abrangente ensaio de Leon Kosovitch e Mayra Laudanna sobre o artista – uma análise do percurso formal de Grassmann.

Manuel da Costa Pinho, em artigo escrito à Folha de São Paulo, conta: “Marcello Grassmann disse certa vez que os seres fantásticos que habitam suas gravuras e seus desenhos tinham função semelhante àqueles do gravador japonês Hokusai, que “desenhava demônios antes de dormir para depois não sonhar com eles”. O crítico analisa a linguagem de Grassmann, a qual define: “Uma linguagem estranhamente bela, com metamorfoses e “seres-aparência” que burlam nossa necessidade de encontrar verossimilhança; figuras fantásticas (como as harpias livremente extraídas do imaginário grego), íncubos e súcubos (demônios que invadem os sonhos), prenunciando as personagens que fundem elementos orgânicos e mecânicos, a partir dos anos 1960. No bestiário do “Caderno de Viagem” e no ensaio, temos a gênese desse mundo violento, atravessado por pulsões e fantasmas e organizado com o rigor dos paradoxos”.

Sobre a obra de Grassmann, Lívio Abramo disse: “Entre o complexo mundo interior do artista e a realização plástica o caminho é curto: complicados arabescos, estranhas simbioses de seres humanos e animais, metamorfoses reveladoras de desejos e angústias, sentido poético e grande liberdade formal”.

 

MARCELLO GRASSMANN 1942-1955

Autor: Mayra Laudanna; Leon Kossovitch (org.)
Editora: Edusp
Preço: R$ 168,00 (236 págs.)

 

 

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