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Bio-livro

11 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Pagu

O estudo pioneiro sobre Pagu, desenvolvido pelo poeta Augusto de Campos e há anos esgotado, ganhou no mês passado nova edição. Pagu: vida-obra foi lançado pela primeira vez em 1982 e, então, quase nada se sabia sobre esta importante, interessante e controversa personagem do modernismo brasileiro. Mistura de antologia e perfil biográfico, o livro, agora revisto e ampliado, é a mais relevante referência sobre Patrícia Galvão, reúne a produção artística, literária e jornalística desta “luminosa agente subversiva de nossa modernidade”, como define o poeta.

À época da primeira publicação, Pagu era, nas palavras de Campos, “estrela menor do anedotário modernista”, lembrada sobretudo por sua beleza provocante e por ter sido o motivo da separação de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, com quem casou-se e teve um filho. O estudo é, segundo Campos, um “bio-livro”, que engloba os momentos mais relevantes de sua “vida-obra” à maneira de um roteiro biobibliográfico. Sua atuação na vanguarda modernista, seu curto casamento com Oswald, a viagem que fez ao redor do mundo em 1933, a militância comunista e os anos de cadeia servem, no estudo, como um prólogo à segunda parte da “vida-obra”, considerada a partir de 1940, muito marcada pela intensa colaboração com jornais e pela atuação teatral. O livro mostra ainda as traduções pioneiras que Pagu fez de autores que ajudou a introduzir no Brasil, como James Joyce e Artaud. 

Em entrevista concedida ao jornal O Globo, Augusto de Campos avalia que, até as primeiras publicação de seu estudo – antes do livro, alguns textos divulgados nas revistas de vanguarda da década de 70, “Código” e “Através” –, “Pagu, era evocada apenas como uma figura vagamente ligada ao anedotário do Modernismo, uma jovem escandalosa, que acabara com o casamento de Oswald de Andrade e Tarsila. Os meus estudos, secundados pelas colaborações de ensaístas como Antonio Risério e pesquisadores como Erthos Albino de Souza e José Luis Garaldi, evidenciaram a importância cultural de sua personalidade literária e artística. Não tivemos qualquer apoio institucional para as pesquisas, que levaram cerca de oito anos. Tive a oportunidade de entrevistar a maioria dos principais contemporâneos e familiares de Patrícia, que ainda viviam nos anos 70 e 80”. Questionado sobre o título do estudo, a referência à “vida-obra”, Campos diz que “a obra de Patrícia está profundamente ligada à sua vida, e não é propriamente feita de obras-primas, mas de obras-fragmentos, embora numerosas, dispersas em grande parte em periódicos, alguns de pequena circulação. Sua atuação revolucionária, tanto por suas intervenções políticas quanto literárias, a marginalizou, e sua obra foi profundamente afetada pelas prisões e perseguições que sofreu. O trauma do longo encarceramento interrompeu e dispersou o seu trabalho, que, no seu caso particular, só pode ser bem compreendido se visto a partir de sua vida tumultuada. Por isso mesmo o meu livro é também uma antibiografia, uma “colcha de retalhos”, que deixa propositadamente para o final o roteiro completo dos principais fatos da vida de Patrícia, usando de uma estratégia de montagens e colagens que, de certa forma, estabelecem um confronto entre vida e obra, mas põem ênfase na sua atividade intelectual. Bonita e fotogênica, inevitavelmente carismática por sua aparência, Pagu teve também aura de “musa”, “anúncio luminoso da Antropofagia”, como foi descrita, e não descuro desse inevitável detalhe de sua personalidade, embora pretenda, com a exibição de uma antologia de suas intervenções artístico-literárias mais relevantes, antes desmusificá-la e desmuseizá-la”. Segundo o poeta: “O que mais importa é a lucidez de suas intervenções, a coerência e a afinidade de muitas ideias, e o exemplo ético e estético de sua presença — “Militante do Ideal”, como a chamou Geraldo Ferraz”.

Heloisa Pontes, professora do departamento de Antropologia da Unicamp, no artigo “Vida e obra de uma menina nada comportada: Pagu e o Suplemento Literário do Diário de S. Paulo”, analisa, sobre sua militância cultural jornalística desta figura “polêmica, irreverente, emancipada”: “Criado em 1946 por Geraldo Ferraz e Patrícia Galvão, o Suplemento Literário do Diário de S.Paulo é a primeira experiência desse tipo de empreendimento no âmbito do jornalismo paulista, tendo precedido o famoso Suplemento Literário de O Estado de S.Paulo – que reuniu em novas bases os integrantes do Grupo Clima, responsáveis pela edição da revista Clima, entre 1941 e 1944. […] foi no Suplemento que o empenho de ambos em divulgar o que de mais importante estava acontecendo na cena cultural, literária e artística da época, se concretizou em base mais profissional. Empenhado na formação de um público leitor, o casal reveste o Suplemento de uma explícita função pedagógica e didática. Na concepção de Ferraz, integralmente partilhada por Patrícia Galvão, o objetivo central do empreendimento jornalístico capitaneado por eles era o de “formar” e “inquietar”. […] Na ausência de publicações e críticos especializados, a crítica de arte no período era veiculada basicamente na imprensa diária e, secundariamente, nas revistas culturais”.

PAGU: VIDA-OBRA

Autor: Augusto de Campos
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 41,65 (472 págs.)

 

 

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