história

Bastidores da guerra

17 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Marie Vassiltchikov

Marie Vassiltchikov

A princesa russa Marie Vassiltchikov (1917 – 1978) cresceu e viveu no exílio com sua família: seus pais, o príncipe Illarion e a princesa Lydia Vassiltchikov, deixaram a Rússia na primavera de 1919, e refugiaram-se, vivendo entre a Alemanha, a França e a Lituânia. Quando a Segunda Guerra Mundial começou, Marie estava na Alemanha com uma de suas irmãs, passando o verão na casa de campo de uma amiga. Em janeiro de 1940, as duas irmãs mudaram-se para a capital alemã, à procura de trabalho, e, assim, começam os Diários de Berlim (1940 – 1945), que narram os bastidores da Operação Valquíria e que a editora Boitempo acaba de lançar no Brasil, para marcar as comemorações de cinquenta anos do fim da guerra.

O diário, considerado pelo crítico Antonio Candido de uma qualidade extraordinária, começa com a chegada de Marie a Berlim, com sua irmã. Ela conta que, fora os comuns blecautes e o rígido racionamento de mantimentos e de comida, a vida foi mantida dentro de uma normalidade até a invasão alemã à Dinamarca e à Noruega, em abril de 1940, a partir de quando a guerra e seus horrores foram pouco a pouco tornaram-se forças dominantes.

Marie, poliglota, logo foi empregada, primeiro, no Serviço de Rádio, posteriormente no Departamento de Informações do Ministério do Exterior. Ali, trabalhou próxima a um forte segmento de resistência antinazistas, que veio a articular a chamada Conspiração de 20 de Julho, ou Operação Valquíria. O diário narra o acompanhamento tenso do fracasso da tentativa de homicídio de Hitler pelo conde Von Stauffenberg e da consequente perseguição e morte de todos os envolvidos na operação. Trata-se de um privilegiado testemunho ocular, escrito de modo intenso: todos os dias Marie datilografava uma síntese dos acontecimentos. As anotações sobre o plano do 20 de Julho foram escritas em uma taquigrafia pessoal, transcrita por ela somente após o término da guerra.

O irmão de Marie, George Vassiltchikov, no prefácio ao livro, diz: “Embora ela tivesse de abandonar várias casas por causa dos bombardeios, e, mais para o fim da guerra, de fugir da Viena sitiada para salvar a vida, muito do diário sobreviveu, incluindo as passagens historicamente mais essenciais. […] Pouco depois do fim da guerra, Missie datilografou as partes em taquigrafia e redatilografou todo o restante. Essa segunda versão ficou intocada por mais de um quarto de século, até 1976, quando, depois de muita reflexão e muita insistência por parte de familiares e amigos, ela afinal se decidiu a tornar público seu diário. Assim mesmo, ela fez questão de cortar muito pouco do conteúdo e nada mudar de substancial. Todas as modificações se referiram à linguagem, ou ao trabalho comum de edição, ou ainda à troca de iniciais por nomes completos. Ela acreditava firmemente que qualquer valor que seu diário tivesse se deveria ao fato de ser completamente espontâneo, honesto e escrito sem reservas, uma vez que originalmente não se destinava à publicação. Seus testemunhos oculares, suas reações e emoções no calor da hora falavam por si mesmos: essa era sua impressão. Tudo perderia muito de seu interesse se algo fosse adulterado por um juízo posterior aos eventos, sem falar na possibilidade de (auto)censura para preservá-la de constrangimentos ou poupar os sentimentos de outras pessoas. Essa versão do diário – a terceira e definitiva – ficou pronta apenas algumas semanas antes de sua morte”.

Antonio Candido, em texto que acompanha o livro, analisa: “Este diário é de qualidade extraordinária como documento e como revelação de personalidade. De maneira sóbria e discreta, sem ênfases nem transbordamentos pessoais, a autora dá relevo muito expressivo ao dia a dia vivido por ela e por um grupo de amigos, todos com a vida potencialmente em perigo devido à violência da repressão nazista e, a partir de certo momento, aos bombardeios aéreos efetuados pelos Aliados. Entre as linhas do texto, e mesmo nelas, o leitor vai percebendo o antinazismo que se infiltra nesse grupo de aristocratas do mais alto nível e leva alguns deles ao sacrifício da própria vida. A escrita, de excelentes predicados pela objetiva naturalidade, realça o fascínio despertado por esse relato que enriquece nosso conhecimento sobre uma das fases mais trágicas da história contemporânea”.

 

diários

 

DIÁRIOS DE BERLIM (1940 – 1945)

Autor: Marie Vassiltchikov
Editora: Boitempo
Preço: R$ 48,30 (304 págs.)

 

 

 

 

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