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O caos como regra

13 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Se a esquerda intelectual brasileira pretende mesmo algum dia despertar do coma profundo em que se encontra, creio que a primeira providencia seria repassar os grandes lugares-comuns de nossa tradição crítica por um prisma teórico e político à altura da ruptura de época que estamos atravessando as cegas.”

Novo lançamento, o livro de Paulo Eduardo Arantes O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência, analisa o nosso, como um tempo em contínua guerra civil, marcado por uma generalizada ausência de perspectivas, por um estado de exceção permanente, pela alastrada catástrofe ambiental, pelo colapso urbano que culmina na militarização do cotidiano: uma era de perpétua emergência, em que esquerda e direita confluem na gestão de programas de urgência. Os ensaios que compõem o livro analisam e refletem sobre as manifestações ocorridas em junho de 2013, o extermínio colonial, a economia de guerra, a indústria dos presídios, as UPPs, o trabalho nos campos de concentração, as revoltas nos guetos, o golpe militar de 64 e o desafio de pensar a experiência da história em uma era de expectativas decrescentes. 

Na orelha do livro, Pedro Rocha de Oliveira pontua que, na época em que Paulo Arantes “há tempos já chama de “fuga para a frente”, o próprio adiamento, a relativização da vida, a espera, se transformou em fim-em-si-mesmo, espelhando e explicitando com fulgor sinistro a lógica circular da modernização-acumulação capitalista. Desde o Estado que combina agenciamento do sub-emprego e promoção do microcrédito à prática descarada da exceção, até as empresas que, através de violência econômica e extra-econômica, chantageiam povos inteiros, as típicas construções sociais modernas estão com os dentes de fora, mostrando a quê vieram, para quem quiser ver”. Nas palavras de Oliveira: Lançando mão ocasional do seu sutil humor de cadafalso – procedimento de distanciamento que não tira ninguém do sufoco, mas devolve a ele com vitalidade renovada para a crítica do existente – o autor analisa a economia de guerra, a indústria dos presídios, os campos de extermínio, as revoltas nos guetos, o golpe militar, e promove a experiência conceitual cuidadosa e radical desse tempo novo que dá a sensação de que a novidade morreu, mostrando o enraizamento dessa sensação na pré-histórica história catastrófica do capitalismo, defrontando o leitor com a necessidade de rejeitar urgentemente sua continuidade tediosa, trabalhosa, patogênica, destrutiva – rejeitar seus escombros, que persistem em se manter de pé”.

Segundo Eleonora de Lucena, em artigo publicado na Folha de São Paulo, para Paulo Arantes “há um “Himalaia de humilhações ressentidas pelos milhões na fila de espera à boca dos guichês de ingresso num mundo afluente que não para de encolher”. Na era do capitalismo turbinado pelas finanças, o Brasil se transformou de economia industrial periférica a plataforma de valorização financeira. O que exige um “estado de emergência econômica permanente”. Por isso, na avaliação de Arantes, é central “o Estado-guardião da renda mínima do capital” e a posse “do aparelho político de acesso, gestão e açambarcamento de recursos num universo discricionário de monopólios, privilégios e compadrios”. “Estamos diante de uma máquina infernal de produção de hierarquias e extorsões em todos os recantos de uma sociedade congenitamente regida pelo nexo da violência econômica”, resume o autor”.

No prefácio dos textos, Marildo Menegat (UFRJ) descreve Arantes como um “intelectual engajado na era do ocaso das utopias”, adepto da “crítica demolidora”. Descrito por si mesmo como “um intelectual destrutivo”, Paulo Arantes não deixou de ser um intelectual marxista. Doutor pela Universidade de Paris 10, em 1973, fez carreira como professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e se aposentou em 1998. Provocou um terremoto entre a intelectualidade brasileira em 2001, com o ensaio “Apagão“, publicado na Folha de S.Paulo, em que atacava a adesão dos intelectuais brasileiros ao governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2003, outro artigo, “Beijando a cruz“, arrasava os adesistas à ortodoxia econômica do governo Lula. Atualmente, é coordenador de coleções para editoras (“Zero à Esquerda” para a Vozes, “Estado de Sítio” para a Boitempo); seus livros publicados são Sentimento da dialética (1992), Um departamento francês de ultramar (1994), Ressentimento da dialética (1996), O fio da meada (1996), Hegel – A ordem do tempo (2000) e Zero à esquerda (2004). Paulo Arantes participou da criação do Partido Socialismo e Liberdade (o PSOL). Publicou recentemente o livro Extinção, pela Boitempo, com 21 artigos entre os quais destaca-se, entre outros temas, a análise das várias formas do imperialismo norte-americano e a guerra no Iraque.

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“O empreendedorismo dos pobres não é nenhuma esquina da história nacional, mas uma saída de emergência para o colapso da sociedade salarial no Brasil e no mundo”.

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O NOVO TEMPO DO MUNDO: E OUTROS ESTUDOS SOBRE A ERA DA EMERGÊNCIA

Autor: Paulo Arantes
Editora: Boitempo
Preço: R$ 36,40 (464 págs.)

 

 

 

 

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