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Reinterpretações antropológico artísticas

12 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Em Pérola imperfeita a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz acompanha a pesquisa poética e construção da obra de Adriana Varejão, propondo um diálogo entre a releitura da história realizada pelo trabalho da artista e possibilidades narrativas enredadas em seu processo criativo. Escrito como uma narrativa em primeira pessoa por Lilia, o livro é contudo de autoria conjunta, fruto de uma construção recíproca entre texto e imagem, resultado de um diálogo entre as duas. A antropóloga diz que procurou “explicitar as referências e iluminar o processo criativo da Adriana”. Cerne da aclamada produção da artista, a reflexão sobre identidade e a tentativa de trazer à tona histórias ocultas por uma história oficial, são os elementos centrais deste estudo.

O livro perpassa a colonização europeia na América, a reconfiguração da tradicional azulejaria portuguesa, a miscigenação e o contato direto com a cultura Yanomami. A coautoria deu origem a um trabalho em que texto e imagem integram-se, aprofundando a reflexão sobre as relações entre a história e a arte. Um livro ao mesmo tempo visual e conceitual, descritiva e expressiva.

Antonio Gonçalves Filho, em artigo publicado no Estado de S. Paulo, conta como se deu o encontro entre a artista e a antropóloga: “Leitora dos livros da antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, a pintora Adriana Varejão, que a conheceu numa ponte aérea entre Rio e São Paulo, pediu a ela que escrevesse um texto para seu livro Entre Carnes e Mares, publicado há cinco anos pela editora Cobogó. Nele, Lilia analisava a presença do barroco e a desconstrução da história do Brasil nas telas da artista, que começou sua carreira há quase 30 anos”. Segundo ele, a reinterpretação é o que “caracteriza toda a obra de Adriana Varejão, uma “devoradora de imagens de livros”, na definição de Lilia Schwarcz, que recontou a história do Brasil em pinturas paródicas cujas vítimas preferenciais foram os pintores viajantes. De Eckhout a Taunay, passando por Debret, todos eles foram usados na ficção visual da artista carioca, lembrada por seu canibalismo amoroso e anticolonialista”. Ele analisa ainda que a “pintura de Adriana é feita de imagens de violência e canibalismo. É uma réplica da história sangrenta registrada pelos pintores viajantes e por artistas que jamais pisaram no Brasil, como Theodore de Bry (1528-1598), um ourives e gravador fascinado pelo Novo Mundo, que retratou cenas de canibalismo relatadas por Hans Staden. De Bry teve de fugir para a Alemanha, perseguido por católicos espanhóis. “Uso essa iconografia para subverter”, nota a artista. E subverte mesmo, acentua a historiadora Lilia Schwarcz, citando o exemplo de sua intervenção na paisagem brasileira idealizada por Taunay, destruída pela inserção de blocos de tinta vermelha assemelhados a nacos de carne”. Nas palavras de Antonio Gonçalves Filho, há uma tensão “entre o neobarroquismo de Adriana e o ideal neoclássico debretiano que transforma a visão do sistema escravocrata brasileiro na época colonial. Em Debret, os escravos são atletas, segundo a historiadora. Na reinterpretação de Adriana, eles são vítimas de sevícias. O “não dito” em Debret vira um grito estridente nas pinturas da carioca. A historiadora conta que se interessou por sua obra pela irreverente interpretação dos azulejos portugueses – que, aliás, são belos exemplos de caninalismo artístico, roubando o azul da porcelana chinesa. “Até inventei o verbo azulejar para definir a obra de Adriana, porque ela pavimenta um caminho em que dialoga diretamente com o barroco, alterando o contexto original dessas obras, ou seja, sem saudosismo ou sentimento nostálgico”.

Adriana Varejão acabou de ter inaugurada uma nova exposição, no Galpão Fortes Vilaça. A série Polvo é fruto de uma pesquisa de forte caráter conceitual, acerca da representação das cores de pele dos brasileiros e da maneira ambivalente como se define raça no Brasil. O ponto de partida para a criação deste trabalho foi uma pesquisa de campo elaborada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1976. Normalmente, o censo oficial brasileiro classificaria as pessoas em cinco grupos diferentes de acordo com sua cor de pele: branco, preto, vermelho, amarelo e pardo, no entanto, naquele ano a pesquisa domiciliar introduziu a questão em aberto: “Qual é a sua cor?”. O resultado foram 136 termos, alguns deles inusitados, cujos significados são muito mais figurativos do que literais. O conjunto apresentado na mostra mantém estreita relação com trabalhos anteriores da artista que lidam com questões como miscigenação, colonialismo e a cor da pele. “Cor é linguagem”, defende Adriana, “quando nomeamos todos esses matizes de peles, a gente dilui a questão das grandes raças – conceito, aliás, já derrubado por terra pela biologia”, pontua.

 

PÉROLA IMPERFEITA – A história e as histórias na obra de Adriana Varejão

Autores: Lilia Moritz Schwarcz e Adriana Varejão
Editoras: Companhia das Letras e Cobogó
Preço: R$ 63,00 (360 págs.)

 

 

 

 

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