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Guia de Leitura

Estado de Exceção

13 fevereiro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Atualmente, muito tem se comentado a ideia de que o Estado de Exceção não é a exceção, mas a regra. Mas ainda precisamos compreender: como é desencadeado o real estado de exceção?

Goya, gravura da série “Desastres de la guerra”

Comentando a relevância e a atualidade da discussão sobre o tema sugerida pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, Èlida Gomes de Oliveira pontua: “O título desta obra [Estado de exceção] origina-se do latim excipio, que significa tomar, apanhar de seu lugar de origem, perder algo que se é próprio”. Frente à “constatação de ocorrências nos últimos governos ao tomarem decisões de enviar tropas do Exército nos casos de conflito que estariam colocando em risco tanto a segurança pública quanto a segurança Nacional”, – tais como a conclamação, pela população atordoada e apavorada, da presença das Forças Armadas – pode-se constatar múltiplos exemplos da tese de que o Estado de Exceção não é, senão, a regra: “Ironicamente, para se preservar a liberdade, segundo a lógica do governo, é preciso assegurar a soberania, mesmo que para isso se tenha que lançar mão da repressão para defender o sistema com situações de ditadura (experiência tão conhecida por nós, posta em prática durante a ditadura militar com a alegação de deter uma possível conspiração comunista através dos Atos Institucionais, a exemplo do AI 5 de 1968). O emprego do conceito de exceção do filósofo italiano se aplica ao entendimento do pensamento de Karl Schmitt, intelectual alemão de orientação conservadora, adepto do nazismo. De acordo com a doutrina schmittiana, o soberano que decide sobre a exceção é, na realidade, definido por ela, garantindo sua ancoragem na lei e na normalidade da exceção”.

 

 

Walter Benjamin, “O anjo da história”

Foi Walter Benjamin quem teorizou o “estado de exceção” como regra. O tema aparece já como questão central em Origem do drama barroco alemão, de 1925, e nos textos escritos no contexto do livro Passagens, sobretudo em “Sobre o conceito da história”, de 1940. É na oitava destas teses sobre o conceito de história, que a noção de estado de exceção aparece em todo o seu significado:

“A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘Estado de Exceção’, no qual nós vivemos, é a regra. Precisamos atingir um conceito de história que corresponda a isto. Então teremos diante de nós como nossa tarefa provocar o efetivo Estado de Exceção; e deste modo melhorará a nossa posição na luta contra o fascismo. A sorte deste depende não em última instância, que seus opositores lutem contra ele em nome do progresso como uma norma histórica. – A admiração de que as coisas que nós vivenciamos ‘ainda’ são possíveis no século XX, não é filosófica. Ela não está no início de um conhecimento, a não ser de que a idéia de história, de onde ela provém, não pode mais ser sustentada”.

Para Benjamin, “A tarefa de uma crítica da violência pode ser definida como a apresentação de suas relações com o direito [Recht] e a justiça [Gerechtigkeit]. Pois, qualquer que seja o efeito de uma determinada causa, ela só se transforma em violência, no sentido forte da palavra, quando interfere em relações éticas”. Segundo o filósofo, do ponto de vista do direito natural, não haveria “problema nenhum no uso de meios violentos para fins justos”. Porém, ele opõe a este o problema da legitimidade dos meios, colocado através da tese do direito positivo, ou positivado, que não justifica os meios pelos fins, mas julga o direito pelos meios: “Se a justiça é o critério dos fins, a legitimidade é o critério dos meios”.

Um soberano pode fugir à legitimação do direito estabelecido, para repor ou refazer um estado de direito. O estado de exceção é um dispositivo através do qual se produz uma situação de anomia, um vazio jurídico criado pelos poderes soberanos em nome da manutenção do poder em situações extraordinárias. Continue lendo

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O caos como regra

13 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Se a esquerda intelectual brasileira pretende mesmo algum dia despertar do coma profundo em que se encontra, creio que a primeira providencia seria repassar os grandes lugares-comuns de nossa tradição crítica por um prisma teórico e político à altura da ruptura de época que estamos atravessando as cegas.”

Novo lançamento, o livro de Paulo Eduardo Arantes O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência, analisa o nosso, como um tempo em contínua guerra civil, marcado por uma generalizada ausência de perspectivas, por um estado de exceção permanente, pela alastrada catástrofe ambiental, pelo colapso urbano que culmina na militarização do cotidiano: uma era de perpétua emergência, em que esquerda e direita confluem na gestão de programas de urgência. Os ensaios que compõem o livro analisam e refletem sobre as manifestações ocorridas em junho de 2013, o extermínio colonial, a economia de guerra, a indústria dos presídios, as UPPs, o trabalho nos campos de concentração, as revoltas nos guetos, o golpe militar de 64 e o desafio de pensar a experiência da história em uma era de expectativas decrescentes.  Continue lendo

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