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Do corpo ao pó

13 dezembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone
Fotografia de Dona Damiana no tekoha Apyka´i, em 2015

Fotografia de Dona Damiana no tekoha Apyka´i, em 2015

Do corpo ao pó – crônicas da territorialidade kaiowá e guarani nas adjacências da morte, do antropólogo Bruno Martins Morais, delineia-se em torno de uma pergunta crucial à reflexão sobre a violência, em todo seu sentido político geral e, em particular, em seu uso sobre a territorialidade indígena: como os Kaiowá e Guarani se relacionam com a morte e a com a terra, no contexto de extrema violência do Mato Grosso do Sul?

O autor sobrepõe duas categorias territoriais, uma que diz respeito à própria concepção indígena e, outra, que subentende as políticas de Estado que historicamente vincularam os Kaiowá e Guarani a um território específico. Sua investigação etnográfica percorre, a partir de reflexões sobre a violência e a morte, esses dois modelos de territorialidade. A perspectiva de Bruno Morais apresenta um panorama da disposição territorial atual dos Kaiowá e Guarani, com foco no corpo, pois, como ele diz, “impondo uma segregação no espaço, a colonização impôs aos índios uma disciplina corporal. É como estratégia de resistência a essa disciplina que eles tentam reorganizar o espaço a partir dos acampamentos de retomada. A relação com a morte e com os mortos emerge como um eixo orientador da vida sobre o território, e os dois últimos capítulos vão dedicados a etnografar essas relações e as concepções de pessoa, de corpo, e os elementos escatológicos e proféticos envolvidos nos ritos funerários. Dividido entre uma parte substantiva, e uma parte imaterial, o corpo aparece no fim como o elemento organizador da produção e da reprodução da vida social, da territorialidade, e do cosmos. Do mesmo modo, é o corpo o eixo organizador da destruição do que há nesta terra. Traduzindo um registro no outro, os Kaiowá e Guarani operam uma crítica histórica que sugere uma conciliação entre as teorias já não como opostas, mas como complementares e variadas em perspectiva”.

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Comum

19 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“O porvir parece estar em suspenso. Vivemos um momento estranho, desesperante e inquietante, em que nada parece possível. O porquê não tem nenhum mistério; não se deve a nenhuma eternidade do capitalismo, mas sim ao fato de que ele não enfrentou ainda obstáculos suficientes. O capitalismo continua exibindo sua lógica implacável, ainda que a cada dia demonstre sua temível incapacidade para trazer solução para a crise e para os desastres que engendra” – Pierre Dardot e Christian Laval.

Fotografia que mostra uma das frases mais utilizadas durante o Movimiento 15M, também chamado Movimiento de los Indignados, na Espanha. [Divulgação]

Fotografia que mostra uma das frases mais utilizadas durante o Movimiento 15M, também chamado Movimiento de los Indignados, na Espanha. [Divulgação]

Comum. Ensaios sobre a revolução no século XXI, de Pierre Dardot e Christian Laval, foi há pouco publicado no Brasil pela Boitempo, com tradução de Mariana Echalar. Para o autores, o comum é um princípio que não só articula as lutas práticas contra o capitalismo e os estudos sobre o governo coletivo de recursos, mas direciona novas formas democráticas. Uma vez que somente a prática delimita o que é o “comum”, com a consequente produção de regras de responsabilização a seu respeito, o comum demanda uma revolução.

Dardot e Laval já haviam publicado  A nova razão do mundo no Brasil, também pela Boitempo, no ano passado, livro cujas reflexões ganham sequência em Comum, enquanto renovação da crítica social e proposta de alternativa política ao neoliberalismo.

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A tentação fascista no Brasil

10 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Cartaz de Oswaldo Teixeira (1904-1974)

Lançado no ano passado, A tentação fascista – Imaginário de dirigentes e militantes integralistas, do cientista político e historiador Hélgio Trindade, traz a público a análise de um conjunto de entrevistas inéditas feitas em plena ditadura militar pelo autor, entre maio de 1968 e setembro de 1970, com dirigentes nacionais, regionais, locais e militantes da Ação Integralista Brasileira, AIB.

Segundo Trindade, o Integralismo foi um movimento fascista genuinamente brasileiro. Semelhante às ideologias italiana e alemã, a AIB foi o primeiro partido de massa no Brasil, com militantes por todo o país. Defensor de um nacionalismo exacerbado e antiberal, o partido recusava terminantemente o socialismo e o comunismo e tornou-se porta-voz da resistência conservadora de uma classe que viu-se ameaçada frente a mudanças sociais decorrentes da urbanização e industrialização, em plena crise cafeeira.

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Um brinde à dialética

28 março, 2017 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de 23 de fevereiro de 1962, cena de “Flüchtlingsgespräche” [Conversas de refugiados]; Hermann Motsch como “Kalle”, Jürgen Arndt como “Ziffel”

Conversas de refugiados, de Bertolt Brecht (1898-1956), acaba de ser publicada no Brasil pela Editora 34, com tradução de Tercio Redondo, professor de literatura alemã na Universidade de São Paulo. A peça foi escrita entre 1940 e 41, como um diálogo entre dois refugiados, o físico social-democrata Ziffel e o operário comunista Kalle. Através da conversa, Brecht revisita assuntos que marcaram toda a obra – cujas contradições, intrínsecas e necessárias a seu caráter dialético, ganham, sob a condição do refugiado, uma luz bastante especial.

“A melhor escola de dialética é a emigração. Os dialéticos mais argutos são os refugiados. Refugiaram-se por causa das transformações, e não estudam nada além das transformações”.

Os dois exilados alemães bebem cerveja na estação ferroviária de Helsinque, durante a Segunda Guerra Mundial, e falam sobre as circunstâncias adversas em que vivem, “tomando sempre o cuidado de olhar para os lados” – eis a situação básica da peça. Por entre as cervejas, um diálogo filosófico instaura-se; com humor negro, falam sobre as circunstâncias políticas e a condição de exílio, que reduz o homem a um passaporte, “a parte mais nobre de um homem”, ironiza. O próprio Brecht era um exilado na Finlândia, perseguido pelo nazismo, quando começou a trabalhar nesse texto inconcluso, que veio a público somente em 1961. Continue lendo

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Guia de Leitura

Estado de Exceção

13 fevereiro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Atualmente, muito tem se comentado a ideia de que o Estado de Exceção não é a exceção, mas a regra. Mas ainda precisamos compreender: como é desencadeado o real estado de exceção?

Goya, gravura da série “Desastres de la guerra”

Comentando a relevância e a atualidade da discussão sobre o tema sugerida pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, Èlida Gomes de Oliveira pontua: “O título desta obra [Estado de exceção] origina-se do latim excipio, que significa tomar, apanhar de seu lugar de origem, perder algo que se é próprio”. Frente à “constatação de ocorrências nos últimos governos ao tomarem decisões de enviar tropas do Exército nos casos de conflito que estariam colocando em risco tanto a segurança pública quanto a segurança Nacional”, – tais como a conclamação, pela população atordoada e apavorada, da presença das Forças Armadas – pode-se constatar múltiplos exemplos da tese de que o Estado de Exceção não é, senão, a regra: “Ironicamente, para se preservar a liberdade, segundo a lógica do governo, é preciso assegurar a soberania, mesmo que para isso se tenha que lançar mão da repressão para defender o sistema com situações de ditadura (experiência tão conhecida por nós, posta em prática durante a ditadura militar com a alegação de deter uma possível conspiração comunista através dos Atos Institucionais, a exemplo do AI 5 de 1968). O emprego do conceito de exceção do filósofo italiano se aplica ao entendimento do pensamento de Karl Schmitt, intelectual alemão de orientação conservadora, adepto do nazismo. De acordo com a doutrina schmittiana, o soberano que decide sobre a exceção é, na realidade, definido por ela, garantindo sua ancoragem na lei e na normalidade da exceção”.

 

 

Walter Benjamin, “O anjo da história”

Foi Walter Benjamin quem teorizou o “estado de exceção” como regra. O tema aparece já como questão central em Origem do drama barroco alemão, de 1925, e nos textos escritos no contexto do livro Passagens, sobretudo em “Sobre o conceito da história”, de 1940. É na oitava destas teses sobre o conceito de história, que a noção de estado de exceção aparece em todo o seu significado:

“A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘Estado de Exceção’, no qual nós vivemos, é a regra. Precisamos atingir um conceito de história que corresponda a isto. Então teremos diante de nós como nossa tarefa provocar o efetivo Estado de Exceção; e deste modo melhorará a nossa posição na luta contra o fascismo. A sorte deste depende não em última instância, que seus opositores lutem contra ele em nome do progresso como uma norma histórica. – A admiração de que as coisas que nós vivenciamos ‘ainda’ são possíveis no século XX, não é filosófica. Ela não está no início de um conhecimento, a não ser de que a idéia de história, de onde ela provém, não pode mais ser sustentada”.

Para Benjamin, “A tarefa de uma crítica da violência pode ser definida como a apresentação de suas relações com o direito [Recht] e a justiça [Gerechtigkeit]. Pois, qualquer que seja o efeito de uma determinada causa, ela só se transforma em violência, no sentido forte da palavra, quando interfere em relações éticas”. Segundo o filósofo, do ponto de vista do direito natural, não haveria “problema nenhum no uso de meios violentos para fins justos”. Porém, ele opõe a este o problema da legitimidade dos meios, colocado através da tese do direito positivo, ou positivado, que não justifica os meios pelos fins, mas julga o direito pelos meios: “Se a justiça é o critério dos fins, a legitimidade é o critério dos meios”.

Um soberano pode fugir à legitimação do direito estabelecido, para repor ou refazer um estado de direito. O estado de exceção é um dispositivo através do qual se produz uma situação de anomia, um vazio jurídico criado pelos poderes soberanos em nome da manutenção do poder em situações extraordinárias. Continue lendo

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Pela supressão dos partidos políticos

20 janeiro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“O fim primeiro (e, em última análise, único) de todo partido político é seu próprio crescimento, sem limite” – Simone Weil.

O célebre ensaio de Simone Weil, uma das pensadoras mais audazes e originais do século XX, Pela supressão dos partidos políticos, foi publicado no Brasil no ano passado pela editora Âyine – italiana recém radicada no Brasil – , com tradução de Lucas Neves.

“Um partido político é uma máquina de fabricar paixão coletiva. Um partido político é uma organização construída de modo a exercer uma pressão coletiva sobre cada um dos seres humanos que são membros dele”, diz Weil, para quem todos os partidos, sem exceção, devem ser suprimidos. Enquanto organizações hierárquicas e rígidas, são por definição autoritários e repressivos e mostram, em sua maioria, um desrespeito absoluto pela res publica, além de um talento indescritível para roubar dinheiro público.

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Unidos, venceremos

19 outubro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Amilcar de Castro

São inúmeros os casos de conflitos, conspirações sórdidas, traições sujas e confrontos armados entre marxistas e anarquistas. Porém, em Afinidades revolucionárias: nossas estrelas vermelhas e negras – Por uma solidariedade entre marxistas e libertários, Olivier Besancenot e Michael Löwy buscam, justamente, salientar a solidariedade histórica entre militantes anticapitalistas de todas as vertentes.

O livro foi publicado pela Editora Unesp, com tradução de João Alexandre Peschanski e Nair Fonseca, e será lançado pelos autores no próximo dia 24. O lançamento, promovido pela Editora Unesp em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo, promoverá um debate, que além de Löwy e Besancenot, contará com pensadores de esquerda como Isabel Loureiro, Fabio Mascaro Querido, Francisco Foot Hardman. O evento acontecerá na segunda-feira, às 19h, no auditório da Editora Unesp [Praça da Sé, 108]. Continue lendo

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O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos

12 setembro, 2016 | Por Roberta Paschoalinoto

Pintura do artista equatoriano Eduardo Kingman

Escrito pelo político e economista equatoriano Alberto Acosta, O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos desenvolve uma proposta alternativa ao capitalismo e suas lógicas de devastação socioambiental. Em 264 páginas, Acosta nos convida a pensar sociedades verdadeiramente solidárias e sustentáveis calcadas no Bem Viver – um conceito oriundo da sabedoria indígena sul-americana, mas que encontra correspondências em outros povos ao redor do mundo. Seu fundamento é a convivência harmoniosa entre os seres humanos e deles com a Natureza. Trata-se de uma filosofia em construção que projeta um novo ordenamento social, econômico e político a partir da ruptura radical com as noções de desenvolvimento, pautadas pela acumulação de capital e pela superexploração de recursos naturais. A complexidade do Bem Viver é articulada didaticamente ao longo do livro, fazendo resistência a tudo que coloca em risco a sobrevivência dos seres na Terra.

Alberto Acosta é um dos fundadores da Alianza País, partido que chegou à Presidência do Equador em 2007 após a vitória eleitoral de Rafael Correa. Foi ministro de Energia e Minas no primeiro ano de mandato, mas deixou o cargo para dirigir a Assembleia Constituinte de Montecristi. Trata-se do evento que culminou na Constituição equatoriana de 2008 – o primeiro escrito constitucional a reconhecer os conceitos de Plurinacionalidade, Direitos da Natureza e Bem Viver. Acosta, contudo, distanciou-se do presidente equatoriano e seu partido ao perceber incoerências no mandato em relação ao novo texto constitucional. E O Bem Viver, um compilado de textos resultantes do debate constituinte, é publicado no Equador em 2011 como defesa dos ideais expressos na nova Constituição. Continue lendo

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Lógicas de situação

8 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“As crises políticas e os fenômenos críticos contíguos que se observam nos sistemas sociais complexos tornam-se inteligíveis em seus traços essenciais desde que a pensemos em termos de dessetorização tendencial do espaço social desse sistema” – Michel Dobry.

Renina Katz

Renina Katz

O clássico estudo Sociologia das crises políticas, do sociólogo francês Michel Dobry, ganhou tradução para o português pelas mãos de Dalila Ribeiro, na edição lançada no final do ano passado pela Editora Unesp. Dobry propõe uma nova abordagem para o estudo das crises políticas, interpretando-as não como imprevistos ou patologias, mas como a norma das relações sociais. Na visão do autor, tais crises resultam das relações sociais e não devem ser compreendidas apenas como factuais. Embora o sociólogo não desconsidere os aspectos históricos e factuais, sua análise propõe que a reflexão sobre as crises políticas deve concentrar-se na idealização de métodos que formem um esquema teórico capaz de ultrapassar as particularidades e revelar as suas dinâmicas características gerais. Seu método abre a possibilidade de estudo dos aspectos constitucionais das crises, sem perder de vista as racionalidades de situações específicas que constrangem as percepções, os cálculos e as táticas dos atores.  Continue lendo

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Mobilidade social

9 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fotografia de Martin Parr, da série “Common sense”

Lançamento, o livro O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social, de Marcio Pochmann, procura analisar a emergência de novos setores sociais no país, acompanhada por uma nova agenda de demandas e lutas. Emergência que seria resultado, em grande parte, do sucesso das políticas econômicas e sociais adotadas na última década. Esses setores sociais podem desempenhar um papel essencial no processo eleitoral deste ano, oferecendo-se como fatia a ser disputada.

A interessante análise vem publicada pela Boitempo editorial e tem, como prefácio, texto de Marilena Chauí.

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Clima de pastelão macabro

28 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A peça de teatro A lata de lixo da história – Chanchada política, escrita pelo crítico literário, sociólogo, professor e poeta Roberto Schwarz, acaba de ser relançada pela Companhia das Letras. Escrita durante o exílio do autor na França – pois, durante o AI-5, em 1968, ele, então professor de teoria literária na USP, foi acusado de promover a subversão marxista na universidade –, a peça foi inspirada pelas leituras que Schwarz fez no esconderijo improvisado, felizmente guarnecido com uma boa biblioteca, que continha, entre outros, O príncipe, de Maquiavel, e O alienista, de Machado de Assis: inspiração e a matéria-prima para A lata de lixo da história, chanchada em treze cenas que transfigura o clássico machadiano numa sátira impiedosa da sociedade brasileira durante o regime militar.

A partir de uma visão crítico-irônica dos usos e abusos do poder, é construída a situação farsesca da peça, utilizando-se do cômico e do grotesco como expressões de um conteúdo crítico atualizado.  Continue lendo

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Obscuridades do direito e da democracia

20 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Diante do incessante avanço do que foi definido como uma ‘guerra civil mundial’, o estado de exceção tende sempre mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea. Esse deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente – e, de fato, já transformou de modo muito perceptível – a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”.

Em Estado de Exceção, o filósofo italiano Giorgio Agamben estuda a contraditória figura dos momentos (outrora) “extraordinários” – de emergência, sítio, guerras –, nos quais o Estado manipula dispositivos legais para suprimir limites à sua atuação, a própria legalidade e os direitos dos cidadãos. Segundo o autor, “o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal”: um poder além de regulamentações e controle, que hoje não é mais excepcional, é o próprio padrão de atuação dos Estados.

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Uma resposta eficiente

22 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Tem-se a impressão de que a esquerda está imobilizada, no nível da teoria e por conseguinte no da prática, pela ideia de que deve ficar o tempo todo revolvendo as entranhas do presente em busca de sinais de catástrofe e salvação”.

Ekaterina Panikanova

Por uma esquerda sem futuro, do historiador e crítico de arte marxista britânico T. J. Clark, analisa a encruzilhada em que se encontra a esquerda, incapaz até agora de propor respostas à crise econômica e social deste início de século XXI. O ensaio foi originalmente publicado na “New Left Review” – periódico sobre política fundado na década de 1960 – e pensa a utopia e o pragmatismo no pensamento de esquerda, defendendo que a esquerda deve reinventar sua resistência através do combate à desigualdade e à injustiça social, não através de ideias utópicos. Segundo ele, se a esquerda quiser permanecer existindo como geradora de ideais políticos relevantes, deve realizar uma revisão dos totalitarismos do passado e renunciar, nesta era de consumo e crescimento insustentáveis, a toda noção messiânica de futuro.  Continue lendo

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Manifesto: Ciclista morre em São Paulo

15 janeiro, 2009 | Por admin

Da Folha Online: a ciclista Márcia Regina de Andrade Prado, 40, foi atropelada ontem, 14 de janeiro de 2009, por um ônibus na Avenia Paulista, que trafegava no sentido Consolação, por volta das 11h50. Às 15h50, a perícia não havia sido realizada, de acordo com a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), que interditou o local.

O Corpo de Bombeiros chegou a ser acionado, mas não chegou a tempo de socorrer a vítima, que morreu no local. As circunstâncias do acidente não foram informadas pela CET.

Homenagem à ciclista Márcia Regina de Andrade Prado, atropelada na Avenida Paulista

Manifesto dos Invisíveis

Motorista, o que você faria se dissessem que você só pode dirigir em algumas vias especiais, porque seu carro não possui airbags? E que, onde elas não existissem, você não poderia transitar?

Para nós, cidadãos que utilizam a bicicleta como meio de transporte, é esse o sentimento ao ouvir que “só será seguro pedalar em São Paulo quando houver ciclovias”, ou que “a bicicleta atrapalha o trânsito”. Precisamos pedalar agora. E já pedalamos! Nós e mais 300 mil pessoas, diariamente. Será que deveríamos esperar até 2020, ano em que Eduardo Jorge (secretário do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo) estima que teremos 1.000 quilômetros de ciclovias? Se a cidade tem mais de 17 mil quilômetros de vias, pelo menos 94% delas continuarão sem ciclovia. Como fazer quando precisarmos passar por alguma dessas vias? Carregar a bicicleta nas costas até a próxima ciclovia? Empurrá-la pela calçada?

Ciclovia é só uma das possibilidades de infra-estrutura existentes para o uso da bicicleta. Nosso sistema viário, assim como a cidade, foi pensado para os carros particulares e, quando não ignora, coloca em segundo plano os ônibus, pedestres e ciclistas. Não precisamos de ciclovias para pedalar, assim como carros e caminhões não precisam ser separados. O ciclista tem o direito legal de pedalar por praticamente todas as vias, e ainda tem a preferência garantida pelo Código de Trânsito Brasileiro sobre todos os veículos motorizados. A evolução do ciclismo como transporte é marca de cidadania na Europa e de funcionalidade na China. Já temos, mesmo na América do Sul, grandes exemplos de soluções criativas: Bogotá e Curitiba.

Não clamamos por ciclovias, clamamos por respeito. Às leis de trânsito colocam em primeiro plano o respeito à vida. As ruas são públicas e devem ser compartilhadas entre todos os veículos, como manda a lei e reza o bom senso. Porém, muitas pessoas não se arriscam a pedalar por medo da atitude violenta de alguns motoristas. Estes motoristas felizmente são minoria, mas uma minoria que assusta e agride.

A recente iniciativa do Metrô de emprestar bicicletas e oferecer bicicletários é importante. Atende a uma carência que é relegada pelo poder público: a necessidade de espaço seguro para estacionar as bikes. Em vez de ciclovias, a instalação de bicicletários deveria vir acompanhada de uma campanha de educação no trânsito e um trabalho de sinalização de vias, para informar aos motoristas que ciclistas podem e devem circular nas ruas da nossa cidade. Nos cursos de habilitação não há sequer um parágrafo sobre proteger o ciclista, sobre o veículo maior sempre zelar pelo menor. Eventualmente cita-se a legislação a ser decorada, sem explicá-la adequadamente. E a sinalização, quando existe, proíbe a bicicleta; nunca comunica os motoristas sobre o compartilhamento da via, regulamenta seu uso ou indica caminhos alternativos para o ciclista. A ausência de sinalização deseduca os motoristas porque não legitima a presença da bicicleta nas vias públicas.

A insistência em afirmar que as ruas serão seguras para as bicicletas somente quando houver milhares de quilômetros de ciclovias parece a desculpa usada por muitos motoristas para não deixar o carro em casa. “Só mudarei meus hábitos quando tiver metrô na porta de casa”, enquanto continuam a congestionar e poluir o espaço público, esperando que outros resolvam seus problemas, em vez de tomar a iniciativa para construir uma solução.

Não podemos e não vamos esperar. Precisamos usar nossas bicicletas já, dentro da lei e com segurança. Vamos desde já contribuir para melhorar a qualidade de vida da nossa cidade. Vamos liberar espaços no trânsito e não poluir o ar. Vamos fazer bem para a saúde (de todos) e compartilhar, com os que ainda não experimentaram, o prazer de pedalar.

Preferimos crer que podemos fazer nossa cidade mais humana, do que acreditar que a solução dos nossos problemas é alimentar a segregação com ciclovias. Existem alternativas mais rápidas e soluções que serão benéficas a todos, se pudermos nos unir para construirmos juntos uma cidade mais humana.

A rua é de todos. A cidade também.

*Este texto coletivo, que cirulou por listas de email, foi assunto de chats e conversas, recebeu centenas de alterações não é uma versão conclusiva nem estática. Como disse um dos autores, talvez nunca existirá uma versão definitiva. Mas a análise e a opinião destes especialistas empíricos sobre as ruas da capital merece ser escutada.

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