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Guia de Leitura

Precariado

31 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“Precariado” é um termo criado nos anos 1980, pela justaposição do substantivo “proletariado” ao adjetivo “precário”, para designar uma classe social emergente, composta por um número significativamente crescente de pessoas que levam uma vida de trabalho insegura, dependentes de empregos efêmeros, instáveis, flexíveis.

O precariado, assim, indica o proletariado precarizado. Trata-se do setor submetido à espoliação dos direitos sociais: previdenciários, benefícios trabalhistas, representação sindical. De acordo com Guy Standing, economista inglês responsável pela maior difusão do conceito, conforme disse em entrevista concedida à revista Carta Capital, em 2015: “A falta de segurança no trabalho sempre existiu. Isso não é o que define o precariado. Os integrantes desse grupo estão sujeitos a pressões que os habituaram à instabilidade em seus empregos e suas vidas. Mas, de forma ainda mais significativa, os trabalhadores do precariado não possuem qualquer identidade ocupacional ou uma narrativa de desenvolvimento profissional para suas vidas. E, ao contrário do antigo proletariado, ou dos assalariados que estão acima no ranking socioeconômico, o precariado está sujeito à exploração e diversas formas de opressão por estarem fora do mercado de trabalho formalmente remunerado. Ainda assim, o que distingue o precariado é a sua trajetória de perda de direitos civis, culturais, políticos, sociais e econômicos. Eles não possuem os direitos integrais dos cidadãos que os cercam. Estão reduzidos à condição de suplicantes, próximos da mendicância, pois são dependentes das decisões de burocratas, instituições de caridade e outros que detém poder econômico”.

A distinção categorial de precariado é sobretudo relevante no plano heurístico: capaz de expor as novas contradições da ordem burguesa hipertardia, circunscrita à própria dinâmica do modo de produção capitalista na etapa de crise estrutural do capital.

 

Em tempos de nítida e crescente precarização de direitos trabalhistas, crise econômica e silêncio nas ruas, no Brasil, a nova legislação e a continuidade da terceirização e da subcontratação pelas empresas devem acelerar o processo de precarização do trabalho, piorar a desigualdade dentro do mercado de trabalho e intensificar a insegurança social e econômica.

 

Tom Slee, "Uberização. A nova onda do trabalho precarizado"

Tom Slee, “Uberização. A nova onda do trabalho precarizado”

“A Economia do Compartilhamento é um movimento: um movimento pela desregulação”, analisa Tom Slee, autor de Uberização: a nova onda do trabalho precarizado, recém-lançado pela Editora Elefante, com tradução de João Peres e prefácio de Ricardo Abramovay, professor de Economia da USP. Segundo Slee: “Grandes instituições financeiras e fundos influentes de capital de risco estão vislumbrando uma oportunidade para desafiar as regras formuladas pelos governos municipais democráticos ao redor do mundo. E para remodelar as cidades de acordo com seus interesses. Não se trata de construir uma alternativa à economia de mercado dirigida por corporações. Trata-se de expandir o livre mercado para novas áreas de nossas vidas”.

O autor, britânico que vive no Canadá, com pós-doutorados em Oxford e Waterloo, trabalha na indústria de software e diz que o impulso para compor o livro deu-se quando percebeu a apropriação de bandeiras de igualdade social pelos criadores da Economia do Compartilhamento – a saber, grupo empresarial do Vale do Silício, cuja fundação econômica baseia-se na especulação do mercado financeiro e que, sob o instigante slogan “o que é meu é seu”, patrocinaram o desenvolvimento de aplicativos e programas, graças aos quais todos poderíamos desfrutar o privilégio de dividir em lugar de possuir. Os aplicativos, segundo o discurso da Economia do Compartilhamento, “nos abririam” a possibilidade de estar em contato uns com os outros, com a segurança da mediação garantida por uma tecnologia infalível, literalmente, na palma da mão.

Slee desmonta o suposto discurso altruísta destes modelos de negócios – dentre os quais, atualmente, os mais notórios são Uber e Airbnb. Para o autor, nós compartilhamos nossas forças de trabalho, nossos dados, nosso tempo, nosso dinheiro e, em troca, recebemos até agora muito pouco, quase nada, ao passo que CEOs amealham bilhões de dólares, armam exércitos de lobistas e influenciam governos mundo afora: “O que havia começado como um apelo ao comunitário, a conexões interpessoais, a sustentabilidade, a compartilhamento, tornou-se o playground de bilionários, de Wall Street e de capitalistas de risco, expandindo seus valores de livre mercado cada vez mais fundo em nossas vidas”.

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A era pós-democrática

7 abril, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“‘We are the champions’ [Nós somos os campeões] – esse é o hino do novo sujeito empresarial. Da letra da música, que a sua maneira anuncia o novo curso subjetivo, devemos guardar sobretudo esta advertência: ‘No time for losers’ [Não há tempo para perdedores]. A novidade é justamente que o loser é o homem comum, aquele que perde por essência. De fato, a norma social do sujeito mudou. Não é mais o equilíbrio, a média, mas o desempenho máximo que se torna o alvo da ‘reestruturação’ que cada indivíduo deve realizar em si mesmo”.

Francisco de Goya, "Regozijo" e "Bajan riñendo"

Francisco de Goya, “Regozijo” e “Bajan riñendo”

A nova razão do mundo – Ensaios sobre a sociedade neoliberal, escrito a quatro mãos pelo sociólogo Christian Laval e pelo filósofo Pierre Dardot, acaba de ser lançado no Brasil. A reflexão dos dois pesquisadores parte da percepção de que ainda não entendemos o que é o neoliberalismo e, atualmente, por isso pagamos um alto preço. Nesse sentido, a obra tem um forte senso de urgência por repensar os lugares-comuns a respeito da natureza do capitalismo contemporâneo.

Articulando uma investigação histórico-social e econômica com a psicanálise, os autores apontam que a novidade do neoliberalismo é que se trata, mais do que apenas uma doutrina econômica ou ideológica, de uma racionalidade global que funciona como espécie de lençol freático normativo global.  Continue lendo

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A interação entre produção e dispêndio

5 dezembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Goya, gravura da série “Caprichos”

Bataille, em A parte maldita – Precedida de “A noção de dispêndio”, desenvolve noções-chave dentro de seu pensamento, tais como os conceitos de dispêndio, excesso, sacrifício, luxo e sagrado. Como conta o autor, o livro foi resultado de dezoito anos de pesquisa e reflexão; dividido em cinco partes, constituiu-se como um ensaio de economia geral, uma tentativa de representar o mundo em termos gerais, distanciando-se da explicitação da economia isolada que foca suas análises na relação entre produção, lucro e acumulação. O resultado é uma reflexão sobre o modo de representação do mundo em relação ao problema do destino da energia que circula na superfície terrestre, segundo Bataille, o modo dispendioso. Na noção de dispêndio, sua análise econômica encontra seu veio argumentativo principal.

“A parte maldita”, escrito em 1949, é um desenvolvimento do ensaio “A noção de dispêndio”, publicado de 1933. Em conjunto, ambos tratam, através da economia política, de estabelecer bases sólidas para que Bataille pudesse pensar, em 1957, o conceito de erotismo como chave de leitura da totalidade inacabada humana. O “dispêndio improdutivo” aparece aqui como fundamento da investigação humana. A noção de inutilidade que acarreta, gerada pelo gasto, pela perda de dinheiro ou de energia, é profundamente ligado à noção de erotismo posteriormente desenvolvida pela autor.

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A ascensão da desigualdade de renda

4 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“The Protectors of Our Industry”, Bernhard Gillam

Um dos livros mais comentados do ano, O capital no século XXI, de Thomas Piketty, começou nesta semana a ser vendido no Brasil. Trata-se de um abrangente estudo sobre a desigualdade. O economista francês revela que o mundo vive uma segunda “Belle Époque” financeira, concentrada em 1% da população mundial. A desigualdade aumentou ao ponto de ter voltado a patamares do século XIX; além disso, a concentração indica também uma volta ao “capitalismo patrimonial”, caracterizado pelo pertencimento das grandes fortunas não a isolados indivíduos bem-sucedidos, mas a dinastias familiares e, segundo o estudo, a riqueza hereditária é tão alastrada que torna-se praticamente indiscernível.

Piketty, que é professor na Escola de Economia de Paris, sustenta que, atualmente, é a receita do capital, e não a renda do trabalho, o fator predominante da distribuição de renda. Segundo ele, durante a Belle Époque europeia e a Gilded Age norte-americana, foi a desproporção entre a propriedade de ativos, e não a desigualdade salarial a promover a drástica disparidade de renda; ele demonstra através de dados, que estamos no caminho de volta àquele quadro social. A menos que a concentração seja, em sua opinião, combatida por tributação progressiva.

Os dados foram obtidos através do desenvolvimento que Piketty realizou, junto com alguns colegas, sobretudo Anthony Atkinson, de Oxford, e Emmanuel Saez, de Berkeley, de técnicas estatísticas pioneiras, que possibilitam o rastreamento da concentração de renda e de riqueza em épocas distantes, Continue lendo

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Mobilidade social

9 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fotografia de Martin Parr, da série “Common sense”

Lançamento, o livro O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social, de Marcio Pochmann, procura analisar a emergência de novos setores sociais no país, acompanhada por uma nova agenda de demandas e lutas. Emergência que seria resultado, em grande parte, do sucesso das políticas econômicas e sociais adotadas na última década. Esses setores sociais podem desempenhar um papel essencial no processo eleitoral deste ano, oferecendo-se como fatia a ser disputada.

A interessante análise vem publicada pela Boitempo editorial e tem, como prefácio, texto de Marilena Chauí.

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