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Mobilidade social

9 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fotografia de Martin Parr, da série “Common sense”

Lançamento, o livro O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social, de Marcio Pochmann, procura analisar a emergência de novos setores sociais no país, acompanhada por uma nova agenda de demandas e lutas. Emergência que seria resultado, em grande parte, do sucesso das políticas econômicas e sociais adotadas na última década. Esses setores sociais podem desempenhar um papel essencial no processo eleitoral deste ano, oferecendo-se como fatia a ser disputada.

A interessante análise vem publicada pela Boitempo editorial e tem, como prefácio, texto de Marilena Chauí.

Marcio Pochmann, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, e reflete sobre como, nos últimos anos, vem se difundindo mundo afora a ideia de uma “medianização” das sociedades, com o surgimento de novos setores médios da população. O livro analisa a suposta emergência de uma nova classe média no Brasil a partir, sobretudo, do sucesso das políticas de distribuição de renda implementadas no país a partir do governo Lula. Pensando sobretudo a respeito da dimensão ideológica da absorção da nomenclatura em regime político e econômico neoliberal, Pochmann insiste que a noção de classe média não é unívoca e sim heterogênea.

A análise parte de uma historiografia do conceito de classe média, retraça a gênese da classe média assalariada brasileira desde a industrialização iniciada com JK, passando por seu crescimento decisivo com as políticas econômicas da ditadura para revelar, na contracorrente do senso comum econômico-sociológico, o crescimento e o fortalecimento da classe trabalhadora brasileira. O livro conduz assim uma reflexão crítica sobre a evolução e as mudanças pelas quais passou a classe assalariada brasileira: mudanças que, segundo Pochmann, apontam para o crescimento e o fortalecimento, não da classe média, mas sim da classe trabalhadora brasileira. O “mito da grande classe média”, uma noção heterogênea e não unívoca, de acordo com o autor, está impregnado de ideologia e voluntarismo teórico.

Pochmann é autor também de Nova classe média? – também publicado pela Boitempo –, em que refutou a ideia de surgimento de uma nova classe no país, sobretudo a de uma nova classe média. Segundo ele, o resgate da condição de pobreza e o aumento do padrão de consumo não tiram a maioria da população emergente da classe trabalhadora. Para Pochmann, é preciso realizar “a politização classista do fenômeno para aprofundar a transformação da estrutura social, sem a qual a massa popular em emergência ganha um caráter predominantemente mercadológico, individualista e conformista sobre a natureza e a dinâmica das mudanças socioeconômicas no Brasil”.

Marilena Chauí, no prefácio, analisa: “Erguendo-se contra as simplificações neoliberais e pós-modernas acerca do capitalismo contemporâneo, este livro, ao passar da aparência à essência do social, esclarece como e por que se propala mundo afora a ideia de “medianização” das sociedades e, no Brasil, a da existência de uma nova classe média. De fato, uma vez que a perspectiva neoliberal se assenta sobre a afirmação da suposta racionalidade do mercado para a regulação da vida social, ela conduz à defesa da privatização dos direitos sociais sob a forma da compra e venda de bens e serviços, de maneira que, politicamente, a afirmação da “medianização” das sociedades fortalece a supressão de políticas sociais universais como ação do Estado. Por outro lado, no caso específico do Brasil, os programas governamentais de transferência de renda, implantados desde 2004 (como expressão das lutas sociais e populares dos anos 1970-1990), levaram à incorporação socioeconômica de vasta parcela dos trabalhadores de baixa renda, até então destinados ao subconsumo, aos padrões de consumo de bens duráveis consagrados pelo capitalismo de modelo industrial fordista, consumo que só era possível para os segmentos de classe média e rendas superiores. O acesso ao consumo de bens duráveis e serviços por aqueles até há pouco deles excluídos conduziu à afirmação do surgimento de uma nova classe média brasileira”. Segundo a filósofa, as “afirmações sobre a “medianização” das sociedades urbanas e industriais e a do surgimento de uma nova classe média brasileira, que poderiam parecer apenas um equívoco de interpretação, indicam, na verdade, a absorção (deliberada, em certos casos, ou involuntária, em outros) da ideologia e da política neoliberais como foco de análise e ação. Ou, como explica Pochmann, a ausência de uma análise das classes sociais em sua determinação concreta ou segundo as condições reais de sua base material redunda em “um voluntarismo teórico inconsistente com a realidade, salvo interesses específicos ou projetos políticos de redução do papel do Estado”.

Esta economia política da mobilidade social, recentemente retomada no Brasil, tornou portanto um mito a versão da grande classe média. Tal como nas economias desenvolvidas, o Brasil repete a possibilidade – cada vez mais distante do neoliberalismo em vigor no mundo – da ascensão e fortalecimento das classes trabalhadoras. O salto na geração de ocupações formais reduziu sensivelmente o desemprego, sobretudo entre os pobres, tornando menos abundante oferta dos serviços baratos, o que implicou alguma transferência de renda privada de famílias ricas para as pobres. Na sequência, a elevação no padrão de consumo dos trabalhadores pobres, impulsionada por políticas públicas inclusivas adicionais como na educação, transporte e habitação gerou o desconforto da desmonopolização de oportunidades consagradas fundamentalmente aos segmentos de maior rendimento.

Segundo o autor, outra consequência é que, em grande medida, “o segmento das classes populares em emergência apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional à medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. (…) Percebe-se sinteticamente que a despolitizadora emergência de segmentos novos na base da pirâmide social resulta do despreparo de instituições democráticas atualmente existentes para envolver e canalizar ações de interesses para a classe trabalhadora ampliada. Isto é, o escasso papel estratégico e renovado do sindicalismo, das associações estudantis e de bairros, das comunidades e base, dos partidos políticos, entre outros”.

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“O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais”.

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O MITO DA GRANDE CLASSE MÉDIA: CAPITALISMO E ESTRUTURA SOCIAL

Autor: Marcio Pochmann
Editora: Boitempo editorial
Preço: R$ 25,28 (152 págs.)

 

 

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