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A tentação fascista no Brasil

10 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Cartaz de Oswaldo Teixeira (1904-1974)

Lançado no ano passado, A tentação fascista – Imaginário de dirigentes e militantes integralistas, do cientista político e historiador Hélgio Trindade, traz a público a análise de um conjunto de entrevistas inéditas feitas em plena ditadura militar pelo autor, entre maio de 1968 e setembro de 1970, com dirigentes nacionais, regionais, locais e militantes da Ação Integralista Brasileira, AIB.

Segundo Trindade, o Integralismo foi um movimento fascista genuinamente brasileiro. Semelhante às ideologias italiana e alemã, a AIB foi o primeiro partido de massa no Brasil, com militantes por todo o país. Defensor de um nacionalismo exacerbado e antiberal, o partido recusava terminantemente o socialismo e o comunismo e tornou-se porta-voz da resistência conservadora de uma classe que viu-se ameaçada frente a mudanças sociais decorrentes da urbanização e industrialização, em plena crise cafeeira.

Em entrevista concedida ao jornal da UFRGS, Trindade pontua: “A sociedade da década de 1920-1930 estava em transição. Começa a crise do café e a industrialização brasileira avança. Com isso, surge uma classe operária urbana que vai realizar as primeiras grandes greves no centro do país. De outro lado, tem início uma contestação muito forte à Velha República, que vai culminar na Revolução de 30 e na derrocada da política do Café com Leite. Em 1922, período de mutação ideológica, é fundado o Partido Comunista do Brasil e ocorre a Semana de Arte Moderna. É um período de ebulição social e ideológica”. O autor ressalta o amparo do lema “Deus, Pátria e Família” no crescimento do partido e a não identificação do autoritarismo puro ao fascismo: “A presença do autoritarismo militar pode ser um dos elementos do fascismo, pode ser um dos elementos do fascismo, mas não significa necessariamente a presença de um Estado fascista. É requisito a ideologia oficial de Estado. O próprio Getúlio não era fascista porque não foi implantado um partido de Estado no Brasil. Na Itália, o partido fascista era único. O Integralismo pregava o partido único, mas não conseguiu. Tivemos um autoritarismo militar durante a era Vargas e a ditadura militar, mas não a ascensão do modelo do Duce e de Hitler”.

Segundo Trindade, ainda na mesma entrevista, a direita, na América Latina, fortalece-se graças às crises econômicas em seus países: “Sobressaem-se a Venezuela, o Equador e a forte rejeição ao seu presidente, assim como o esgotamento das políticas adotadas na Bolívia, que também são alvo de críticas. Antes de Dilma, houve uma ação de destituição semelhante do presidente do Paraguai. E, na Argentina, Mauricio Macri deu uma guinada à direita. O Chile já vinha de uma tradição democrática e social pouco á esquerda. Lá a direita é organizada e vence eleições. No Brasil, ficou a ‘velharada’ e os líderes do Nordeste que não têm força para vencer pela via democrática. Esse é um novo ciclo neoliberal mundial”.

De acordo com Leandro Pereira Gonçalves, professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), pesquisador e autor de diversos estudos sobre o integralismo, notadamente, sobre a trajetória de Plínio Salgado, em resenha publicada pela Revista Brasileira de História: “Há muitos anos os pesquisadores comentavam sobre as entrevistas, e muitos se questionavam onde elas estavam e se realmente existiam, visto que o material sempre foi objeto de desejo de todos os estudiosos do tema. Agora, finalmente, há a possibilidade de termos em mãos uma parte significativa dos depoimentos que foram concedidos a Hélgio Trindade”. O prefácio da segunda edição de Integralismo: o fascismo brasileiro da década de 30, segundo Gonçalves, destaca a importância da pesquisa desenvolvida por Trindade, “principalmente por identificar um tipo fascista fora do contexto europeu, temática que segue a introdução escrita pelo autor, demonstrando em uma visão continental a particularidade do movimento integralista”. Antes de nos introduzir às entrevistas, diz Gonçalves, Trindade “faz uma síntese da tese, expondo o universo ideológico do integralismo para que o leitor possa identificar elementos da estrutura da Ação Integralista Brasileira. Plínio Salgado, o líder do movimento, mereceu um capítulo exclusivo: ‘Entrevistas com dirigentes e militantes da AIB’. Nele, o chefe supremo dos camisas-verdes aponta questões sobre o passado e sobre um presente utópico. São palavras que permitem ao historiador identificar elementos até então conhecidos no campo das hipóteses, nos aspectos político, cultural, internacional, religioso ou mesmo pessoal. Com as entrevistas, é possível contribuir com diversas investigações, como a força exercida pela intelectualidade portuguesa em Plínio Salgado, tanto na juventude, pela leitura de obras ligadas aos católicos lusitanos, como no contexto do pós-guerra, quando António de Oliveira Salazar estabeleceu papel preponderante na composição de um novo Plínio Salgado após o exílio”.

Na “Nota prévia” à edição, Hélgio Trindade comenta a produção acadêmica acerca da problemática da natureza do Integralismo. Cita a contribuição de Marilena Chaui que, no artigo “Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira”, “restabelece a importância do tratamento da ‘ideologia’ numa perspectiva filosófica, ao observar que, ‘Ao fazermos a análise ideológica, tendemos a esquecer essas formas da existência social que são o pensamento e as representações’. […] Baseando-se ora em enfoque filosófico, ora nos escritos dos ideólogos do Integralismo, Chaui discute na primeira parte as complexas relações entre a AIB e as ‘classes médias’ no período para responder a questão: qual o ‘destinatário do discurso integralista?’. Na segunda parte, desenvolve uma análise instigante, apoiada em textos de Salgado e Reale sobre os usos da ‘imagem da crise’ (conjuntural, estrutural, mundial e de civilização) como ‘tema mobilizador’ no discurso integralista. Essa construção ideológica abriu duas possibilidades na lógica integralista: de um lado, ‘suscitou a criação de mitos para legitimar burgueses bem pouco heroicos’; de outro, ofereceu à ‘classe média’ uma ideia-força propícia ao heroísmo e capaz de ser ao mesmo tempo ‘varonil’ e ‘apaziguadora’ para a classe média ‘portadora da ideia’”.

Para o autor, conforme afirmou na entrevista supracitada, atualmente, surge uma nova direita, ou extrema direita, no Brasil; sua novidade é o orgulho com que as pessoas definem-se como tal.

No prefácio à segunda edição de A tentação fascista no Brasil, Juán Linz, Professor Emérito de Sociologia e Ciência Política da Universidade de yale, pontua:  “A singularidade de seu trabalho, contudo, não é somente ser um dos poucos estudos monográficos de um movimento fascista fracassado e o único sobre um movimento ibero-americano. Reside no fato de seu autor reunir uma vasta gama de materiais […]. Seu trabalho oferece um retrato coletivo da liderança do Integralismo que não encontra paralelo em livros sobre movimentos importantes, como a Guerra de Ferro ou a Falange. As páginas que ele dedica ao retrato sociológico dos líderes da AIB são inestimáveis para todo aquele que deseje saber, para fins de comparação, quem eram os fascistas. Mas seu livro nos dá alguma coisa mais, algo que não conhecemos sobre nenhum outro país, exceto a Alemanha, graças à singular aventura de ciência social de Theodore Abel, o qual, nos anos 30, coletou autobiografias dos membros do partido nazista, que foram analisadas sistemática e estatisticamente em um brilhante livros de Peter Merkl. Trindade fez algo que eu desejaria tivéssemos feito com outros movimentos fascistas e que nós, provavelmente, jamais faremos. Ele aplicou as modernas técnicas de survey para obter informações, usando questionários sobre como os membros do AIB reagiam aos apelos ideológicos da liderança. Isso, por si só, justifica minha afirmação inicial de que este é um livro singular. […] monografias como esta nos permitem salientar adequadamente temas comuns que definem um movimento como nitidamente fascista. Ao mesmo tempo, estudos monográficos possibilitam descobrir as variedades de fascismo dentro de uma unidade básica e aprofundar a análise das diversas famílias ideológicas no interior do fascismo”.

Em 1974, Hélgio publicou seu primeiro livro, atualmente considerado já um clássico dentre os estudos políticos brasileiros, Integralismo: o fascismo brasileiro da década de 1930 [Unisinos, 2016, 3ª edição]. Professor emérito da UFRGS e ex-reitor da mesma universidade e da UNILA, Universidade Federal da Integração Latino-Americana, da qual também foi fundador, Hélgio é um especialista no estudo do movimento integralista no Brasil.

 

 

A TENTAÇÃO FASCISTA NO BRASIL: IMAGINÁRIO DE DIRIGENTES E MILITANTES INTEGRALISTAS

Autor: Hélgio Trindade
Editora: Editora UFRGS
Preço: R$ 51,92 (837 págs.)

 

 

 

 

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