lançamentos

Um brinde à dialética

28 março, 2017 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de 23 de fevereiro de 1962, cena de “Flüchtlingsgespräche” [Conversas de refugiados]; Hermann Motsch como “Kalle”, Jürgen Arndt como “Ziffel”

Conversas de refugiados, de Bertolt Brecht (1898-1956), acaba de ser publicada no Brasil pela Editora 34, com tradução de Tercio Redondo, professor de literatura alemã na Universidade de São Paulo. A peça foi escrita entre 1940 e 41, como um diálogo entre dois refugiados, o físico social-democrata Ziffel e o operário comunista Kalle. Através da conversa, Brecht revisita assuntos que marcaram toda a obra – cujas contradições, intrínsecas e necessárias a seu caráter dialético, ganham, sob a condição do refugiado, uma luz bastante especial.

“A melhor escola de dialética é a emigração. Os dialéticos mais argutos são os refugiados. Refugiaram-se por causa das transformações, e não estudam nada além das transformações”.

Os dois exilados alemães bebem cerveja na estação ferroviária de Helsinque, durante a Segunda Guerra Mundial, e falam sobre as circunstâncias adversas em que vivem, “tomando sempre o cuidado de olhar para os lados” – eis a situação básica da peça. Por entre as cervejas, um diálogo filosófico instaura-se; com humor negro, falam sobre as circunstâncias políticas e a condição de exílio, que reduz o homem a um passaporte, “a parte mais nobre de um homem”, ironiza. O próprio Brecht era um exilado na Finlândia, perseguido pelo nazismo, quando começou a trabalhar nesse texto inconcluso, que veio a público somente em 1961.

Justamente em 1940, Walter Benjamin, grande amigo de Brecht, escreveu Sobre o conceito de história e, logo depois, ao tentar escapar de uma França que denunciava à Gestapo os refugiados judeus, em 26 de setembro deste mesmo ano, em Port-Bou, na fronteira espanhola, optou pelo suicídio.

Lindberg S. C. Filho, doutor em Letras pela USP, no artigo “Representação da história em ‘As visões de Simone Machard’, de Bertolt Brecht” – peça escrita em 1941, que também versa sobre os refugiados, transportando para a época da Segunda Guerra Mundial o mito de Joana d´Arc -, analisa que, “embora Brecht tenha dedicado a quase totalidade do tempo de seu processo criativo à elaboração de formas estéticas que dessem conta da experiência real da dominação política e social contemporânea – isto é, da realidade moderna sob o regime capitalista -, ele desenvolveu um realismo que, ao mesmo tempo em que bebia, superava as técnicas narrativas de captação da realidade dos movimentos artísticos do fim do século XIX, mais notadamente o naturalismo francês. Não bastava mais reproduzir as contradições do mundo sensível no texto ou na cena; a forma artística tinha que ela mesma produzir uma experiência estética exigente que abrisse a possibilidade de superação subjetiva das contradições presentes na vida real e que levasse em consideração os últimos desenvolvimentos da sociedade atual. Desse modo, Brecht não formulou propriamente uma doutrina ou um método, mas um princípio de construção formal baseado na descrição consciente de processos”.

Em Conversas de refugiados, o processo é profundamente humano. A obra talvez tenha permanecido inconclusa mesmo porque o diálogo entre as personagens parece poder estender-se indefinidamente. A obra resta aberta. As questões que Brecht levanta ecoam até os dias de hoje.

 

Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, na Alemanha, em 1898. Em 1924 mudou-se para Berlim, onde trabalhou no Deutsches Theater até 1926. Nesse ano, ele publicou seu primeiro livro de poemas, o Manual de devoção de Bertolt Brecht. Em 1928 sua Ópera dos três vinténs alcançou grande sucesso de público e crítica. Poucos anos depois, o incêndio do Parlamento alemão em 28 de fevereiro de 1933 marcou a tomada do poder pelo nazismo; Brecht fugiu de Berlim no dia seguinte e deu início a uma saga na condição de exilado, na qual passou pela Tchecoslováquia, Áustria, Suíça, França, Dinamarca, Suécia, Finlândia, União Soviética e Estados Unidos. Retornou a seu país natal apenas em 1949, e então estabeleceu-se em Berlim Oriental, após sua permanência ter sido vetada na Alemanha Ocidental. Fundou, com Helene Weigel, sua esposa, o Berliner Ensemble, grupo cujas montagens percorreram o mundo e consagraram o autor como fundamental para o teatro do século XX.

Walter Benjamin em seu ensaio “O que é o teatro épico? – Um estudo sobre Brecht”, de 1931, analisa como, a partir da exigência de reconfiguração crítica do teatro tradicional, o teatro épico brechtiano, visando o esclarecimento do público e sua vinculação a um movimento amplo de transformação social, estabelece pressupostos e dificuldades de um teatro pedagógico. Para o público do teatro épico, diz Benjamin, “o palco não se apresenta sob a forma de ‘tábuas que significam o mundo’ (ou seja, como um espaço mágico), e sim como uma sala de exposição, disposta num ângulo favorável. Para seu palco, o público não é mais um agregado de cobaias hipnotizadas, e sim uma assembleia de pessoas interessadas, cujas exigências ele precisa satisfazer. Para seu texto, a representação não significa mais uma interpretação virtuosística, e sim um controle rigoroso. Para sua representação, o texto não é mais fundamento, e sim roteiro de trabalho, no qual se registram as reformulações necessárias. Para seus atores, o diretor não transmite mais instruções visando à obtenção de efeitos, e sim teses em função das quais eles têm que tomar uma posição. Para seu diretor, o ator não é mais um artista mímico, que incorpora um papel, e sim um funcionário, que precisa inventariá-lo”.

 

 

 

 

 

CONVERSAS DE REFUGIADOS

Autor: Bertolt Brecht
Editora: 34
Preço: R$ 31,50 (160 págs.)

 

 

 

 

 

Send to Kindle

Comentários