Literatura

A catá-la acatá-la casá-la acamá-la e encarná-la

25 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Finn’s Hotel, ótimo lançamento da Companhia das Letras, reúne textos desconhecidos do irlandês James Joyce. O livro é composto por onze fábulas em cerca de cem páginas. A tradução brasileira foi feita por Caetano Galindo, especialista na obra do autor, responsável também pela tradução de Ulysses, publicado pela Penguin-Companhia em 2012. De acordo com Galindo, Finn’s Hotel é um interessante texto, que funciona como um “elo perdido” entre a linguagem de Ulysses e Finnegan’s Wake.

O manuscrito, descoberto no início dos anos 1990, causou alvoroço entre os estudiosos de James Joyce. Encontrado em meio aos papéis e anotações do escritor, Finn’s Hotel foi anunciado como embrião daquele que seria o mais enigmático dos livros do irlandês, o caudaloso Finnegans Wake. Uma longa briga judicial privou os leitores de acesso ao texto até agora, mais de duas décadas depois de sua aparição.

Finn’s Hotel é tremendamente claro e acessível, seus pequenos contos poderiam ser chamados de fábulas sobre a história da Irlanda.

São textos divertidos e comoventes. Não se sabe ao certo as intenções de Joyce ao escrevê-los, e se essas histórias de fato compõem uma versão anterior do Finnegans Wake, mas, ainda assim, estão lá Humphrey Chimpden Earwicker, protagonista do Wake, bem como um esboço inicial da magnífica carta de Anna Livia Plurabelle, uma das peças mais belas da língua inglesa.

Caetano W. Galindo, que já traduziu Os mortos e que, pela tradução do livro Ulysses, recebeu os prêmios Jabuti, APCA e ABL, recriou aqui as dezenas de trocadilhos e jogos de linguagem do original. O volume traz ainda uma nova tradução, também de Galindo, do poema Giacomo Joyce.

Segundo o tradutor, em artigo publicado na coluna mensal sobre tradução que mantém no blog da Companhia das Letras, esse Finn’s Hotel que sai agora não decepciona fãs nem gente que pode chegar agora a se interessar por aquele que bem pode ter sido o maior prosador do século XX. Escrito em preparação para a redação do Finnegans Wake, o livro ainda é bem mais legível que o romance final de Joyce, mas traz todo o humor, a liberdade e, claro, o lirismo que marcariam esse grande livro”.

A Companhia das Leras disponibiliza um trecho para visualização.

Galindo, no referido artigo, também divulgou um trecho de sua tradução, reproduzido abaixo:

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Trecho:

Nossa, foi lindo demais que eu nem tenho palavra, aquela toda sensação. O mar, de delicado matiz adornado dos plenos encantos de natura, com suas ondículas comportadinhas (com todas aquelas horrorosas e grosseiras lá de Belfast e da região de Lagan Lough muitíssimo devidamente trancadas num cubículo) estava verdadeiramente lindo mesmo na hora média da noite e mais especialmente por ser ele definitivamente o homem certo no lugar certo e as condições meteorológicas não poderem ser melhores. Que se loe o liso mar. Era arrolada por rolar nessescur omar azul que rolava à roda toda da ronda rolada que Robert Roly arrolava à roda. Beleza de tirar o fôlego, a mais linda de Irlanda, só fitava enquanto ele de sua altitude de jarda e centitrintaiduas linhas seus globos de englobar o mar global miravam Ah miravam Ah giravam que miravam de liravam nos olhos escuros de mares rolantes da moça.

— Muitíssimo obrigada, suspirou, empolgada com o oliváceo pulsar do pescoço dele nu, e muitíssimo de novo por tal minicitação. Que como que fez tudo tão muitíssimo perfeito. Que coisa mais delicada!

 

Amoroso acima de todos, ele, esmagarrosas, empolgador, motor de seus suspiros, tendo prealavelmente desflegmado a gorja da pruriente névoa da garganta, com seu braço útil ocupado na linha de fundo bem ao sul do ombro oeste dela, enunciou o que se há de seguir com grandiosa paixão de sua altaneira faringe:

— Isolda!

Ah, se ela não quiser!

 

Por elevação de pestanas rumo ao louro seu amado foi que insinuosa ela invocou a desideração de ulterior declaração.

 

Foi ele instante e declarou:

— Isolda! Ah Isolda! Sol da alma e mão irmã! Quando esse Elaponto sir Tristão binoculiza seu imprecatadíssimo ego subconscientissimamente sente a deprofundidade de multimatemáticas imaterialidades pelas quais na pancósmica ânsia a omnimanência dAquilo Que Em Si Próprio é Seu Próprio Aquilo exteriora-se neste nosso plano em desunidos corpos sólidos, líquidos e gasosos em nacaradas intuições passionarquejantes da Pessoidade reunida no hiperdimensional Pan-eu deseguificado.

Ouvi, Ah ouvi, todos vós aqui arencados!

Fecha a porta dos teus mares! Via Láctea, esparge opaca luz!

 

[…]

 

Sobre eles aladas urlavam as aves estrídulo júbilo: mandrião, gaivota, maçarico e tarambola, peneireiros e tetrazes. Os pássaros todos do mar iscaram martreiros quando oiviam o grande beujo de Trustão e Usolda.

 

Assim ciciavam-se os cisnes:

 

Três quarks a Muster Mark

Que claro já de há muito mais não carca

E claro que se faz só faz errar a marca

Mas Oh Tordáquila Voalto, não seria uma fuzarca

Ver aquele urubuzão que vem que se açambarca

E caçando as nossas calças pintalgadas perto do Palmerston Park.

Hohohoho Polveroso Mark

Sois o mais doudo dos galos que Noé volou da arca

E achais que sois galináceo de alta marca.

Foi falta! Tristo é o rapaz que ora embarca

A catá-la acatá-la casá-la acamá-la e encarná-la

Sem nem piscar uma pluma da cauda ou da ala

E é assim que há de ganhar dinheiro e marca!

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FINN’S HOTEL

Autor: James Joyce
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 39,50 (160 págs.)

 

 

 

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