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Cinema de conversação

4 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Tento fazer filmes em que tenho perguntas a colocar e vou tentar saber quais são as respostas fazendo o filme. Geralmente o filme, quando dá certo, não termina com uma resposta-síntese” – Eduardo Coutinho.

cena do filme “Cabra marcado para morrer”

O livro Eduardo Coutinho, organizado Milton Ohata, reúne dois ensaios e dez entrevistas, além de dezenas de textos de crítica escritos por Eduardo Coutinho para o Jornal do Brasil entre os anos de 1973 e 74. A segunda parte do livro é dedicada a depoimentos de colaboradores que contam suas experiências de trabalho com o diretor. A terceira parte do livro é uma coletânea de resenhas de época, bem como de textos, todos inéditos, sobre a filmografia de Coutinho, escritos por cineastas e críticos de diversas gerações.

O livro foi concebido para contemplar diferentes áreas de interesse, quer para quem queira conhecer como o diretor pensava o próprio trabalho, para quem deseja acompanhar a construção de seu raciocínio cinematográfico, também para quem tem curiosidade sobre os filmes e seus bastidores.

Como o organizador comenta, o conjunto dos textos mostra a experiência de Coutinho como espectador, e como essa experiência nunca dissociou-se da experiência enquanto cineasta. Segundo Ohata, “seus textos de crítica mostram quão armado ele estava para realizar bem”.

Numa entrevista, concedida em julho de 2009, Coutinho disse: “O meu cinema se interessa pelo que é precário. É um cinema que fala sobre o que é fazer cinema. Meu cinema não é heroico nem tem heróis. Muitos dizem que eu abandonei a política, que não faço cinema político. Eu sempre odiei o cinema militante”. Já em um catálogo, para o Festival Cinéma du Réel, em 1992, analisou: “Creio que a principal virtude de um documentarista é a de estar aberto ao outro, a ponto de passar a impressão, aliás verdadeira, de que o interlocutor, em última análise, sempre tem razão. Ou suas razões. Esta é uma regra de suprema humildade, que deve ser exercida com muito rigor e da qual se pode tirar um imenso orgulho”.

João Moreira Salles, em ensaio que integra o livro, comenta com uma sincera comoção uma cena, a última, do documentário “Peões”: “Como se sai do fundo do poço? A pungência não só da pergunta, mas de uma eventual resposta, ajuda a explicar o afeto de Eduardo Coutinho pelo personagem que encerra Peões — o metalúrgico Geraldo —, cuja fala, cheia de decência e melancolia, é uma lenta progressão rumo à consciência de um impasse. […] Coutinho lhe pergunta se tem saudade da fábrica. Ele esboça um sorriso: apesar de todo o sofrimento, às vezes tem, sim. “Quer que teus filhos sigam a profissão?” (a edição eliminou a pergunta de Eduardo). “Não, espero que eles não passem o que eu passei, não”, responde, caindo no poço. Ele desvia o rosto, seus olhos marejam: “Espero que não.” A câmara segue rodando, num silêncio cada vez mais pesado. Para quem assiste, a sensação é a de um homem que se afoga. Se Geraldo parasse aí, se não repicasse, seria a derrota. Mas então ele se salva. Triste, vira-se para Coutinho: “O senhor já foi peão?” De um golpe — e é disto que se trata —, o impasse já não é só dele. Agora é também do inquisidor, responsável involuntário por atirá-lo no buraco. É como se Geraldo dissesse: “Por favor, não julgue o meu silêncio porque você nunca saberá o que eu passei.” Com cinco palavras, ele afirma a singularidade de sua vida. A desolação que se segue comove e suscita respeito, nunca piedade”.

O livro foi feito 2013, em homenagem ao cineasta, em comemoração aos seus 80 anos de idade. Tragicamente, no ano seguinte, dia 2 de fevereiro, Coutinho foi brutalmente assassinado por seu próprio filho.

Eduardo Coutinho é considerado o maior documentarista brasileiro da história.

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“Adotando a forma de um ‘cinema de conversação’, escolhi ser alimentado pela fala-olhar de acontecimentos e pessoas singulares, mergulhadas na contingência da vida. Eliminei, com isso, até onde fosse possível, o universo das ideias gerais, com as quais dificilmente se faz bom cinema, documentário ou não, e dos ‘tipos’ imediata e coerentemente simbólicos de uma classe social, de um grupo, de uma nação, de uma cultura”.

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EDUARDO COUTINHO

Autor: Milton Ohata (org.)
Editoras: Cosac Naify / SESC SP
Preço: R$ 48,93 (704 págs.)

 

 

 

 

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