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Crítica, história e literatura

22 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone
gravura de Evandro Carlos Jardim

gravura de Evandro Carlos Jardim

Em Dois letrados e o Brasil nação – A obra crítica de Oliveira Lima e Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Arnoni Prado desenvolve uma interessante contraposição entre as trajetórias dos críticos e historiadores Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) e Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982).

O livro, cuja publicação havia sido anunciada alguns anos atrás, acaba de ser lançado pela Editora 34. Nele, Arnoni Prado, para analisar os momentos e processos fundamentais na formação e consolidação da crítica literária brasileira, examina as vertentes lógicas mais atuantes na dinâmica cultural do Brasil: de um lado, arranjos retóricos conservadores, de outro, os movimentos críticos libertários.

Para a composição da reflexão que encaminha o livro, o autor imergiu na vida e na obra dos dois autores, acompanhando seus percursos intelectuais. De Oliveira Lima, conhecido sobretudo pelo estudo D. João VI no Brasil (1908), reconstitui-se a mentalidade belle époque, seu eurocentrismo acentuado e a fixação pelo passado lusitano, que também teve grande influência sobre Gilberto Freyre. De Sérgio Buarque, autor de Raízes do Brasil (1936), ressalta-se a fina percepção sobre o contexto latino-americano, a valorização de outras ancestralidades, os laços de afinidade e distância com os modernismos e, principalmente, sua preocupação com os aspectos de crise e ruptura, que lhe permitiu problematizar o presente e ler criticamente o passado.

O erudito panorama traçado por Antonio Arnoni Prado mostra uma pesquisa literária que abarca concepções opostas de história, cultura e nação e dos papéis desempenhados, nelas, pelo intelectual.

Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 2011, o autor conta sobre a relação de Oliveira Lima e Joaquim Nabuco. Lima começou sua carreira crítica no Correio do Brasil, revista que ele fundou em Lisboa, aos 15 anos de idade. Segundo Arnoni Prado, o jovem “não escapou – nesses esboços precoces – à indefinição de critérios e do arroubo dos juízos críticos, que nem sempre correspondiam à verdade dos fatos e temas e analisados. É um desses arroubos que o aproxima de Joaquim Nabuco no dia 4 de outubro de 1882, quando esse último, então correspondente do Jornal do Commercio na Inglaterra, decide enviar ao jovem diretor do Correio uma carta de agradecimento por haver recebido da revista uma singela nota biográfica”. Na nota, Lima analisa o exílio Nabuco na Inglaterra, como representante, para a escravidão, do “papel de Victor Hugo para o Segundo Império nem o de Luiz Zorilla para com a monarquia dos Bourbons”; bem ao contrário, Nabuco o corrige: estaria fora de sua pátria alheio à sua vontade, era “um emigrado que deixara o Brasil por discordar da escravidão que a infestava”. As controvérsias entre ambos permaneceu ao longo dos anos. Arnoni conta: “é do próprio Nabuco, em carta de 1896, a impressão de um Oliveira Lima cheio de esperanças no regime que se instalara no Brasil em novembro de 1889. ‘Infelizmente – escreve então ao ex-crítico do Correio do Brasil –, o seu espírito sofre do mal oposto ao que me atacou, o seu otimismo é tão doentio como o meu pessimismo, ainda que sua doença seja mais alegre e divertida que a minha’”. O autor analisa que a controvérsia representou na trajetória intelectual de Oliveira Lima uma “revelação premonitória”: “De um lado, pela transformação das convicções políticas em jogo, que acabaram depois se invertendo […]. E de, outro, pelo percurso intelectual voltado para o cosmopolitismo da belle époche (os salões, os espetáculos, as salas de conferência) e o fascínio pela oratória institucional, temperado pela nota inventiva de historiografia de Oliveira Martins, que o estimulava a ver na história dos homens e de sua cultura um exercício de ‘ressurreição artisticamente construída’”. Segundo Arnoni Prado: “Um bom modo de avaliar o seu legado é compreender como se amplia a distância entre as tarefas dos ‘espíritos construtores’ – que Oliveira Lima foi buscar em Oliveira Martins para traduzir a grandeza moral dos nossos ‘homens representativos’ (um João Ribeiro, um Euclides da Cunha, um José Veríssimo) – e a ação antipassadista dos modernistas fora da ordem, inspirado no qual um crítico como Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, romperia em 1926 com o tradicionalismo da falsa vanguarda. Se aos primeiros, valorizados na crítica de Oliveira Lima pela aliança entre a ‘grandeza moral e a imaginação cintilante’, cabia zelar pela ‘expansão dinâmica da inteligência brasileira e pela integridade clássica do vernáculo’, aos segundos tocava desviar aquele dinamismo para a pesquisa da expressão original da língua rústica e das nossas falas populares em estado puro”.

 

arnoni

 

DOIS LETRADOS E O BRASIL NAÇÃO

Autor: Antonio Arnoni Prado
Editora: 34
Preço: R$ 35,00 (376 págs.)

 

 

 

Nota.

Em tempo, outro livro de Antonio Arnoni Prado também acaba de ser publicado: Cenário com retrato – Esboços e perfis, lançado pela Companhia das Letras, reúne ensaios que desdobram a trajetória pessoal e criativa de autores como Lima Barreto, Mário de Andrade, Gilberto Freyre e Erico Verissimo, para analisar a busca pela independência intelectual no Brasil. Trata-se de uma aplicação do método de análise literária-sociológica de Antonio Candido, para quem as circunstâncias concretas da vida brasileira sempre ressoam nos projetos literários.

 

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