Mário Pedrosa (1900 – 1981) foi uma das mais relevantes figuras da crítica da arte brasileira. Incentivou o desenvolvimento da poética de muito artistas, novos na afirmação do abstracionismo, tais como Lygia Clark, Hélio Oiticica Alfredo Volpi e Franz Weismann.
Sua obra completa, dispersa e parte fora dos catálogos das livrarias brasileiras, está sendo reeditada pela Cosac Naify. A proposta editorial é mostrar em paralelo duas dimensões da obra crítica de Mário Pedrosa, a artística e a política.
Este volume, intitulado Arte – Ensaios, reúne 31 artigos sobre artes visuais escritos entre 1933 e 1978, nos quais Pedrosa discute os fundamentos de sua postura crítica. Permeiam seus textos inúmeras facetas, entre a do teórico marxista, a do pesquisador da Gestalt e apoiador do construtivismo, a do interessado pela arte dos alienados e das crianças. Mário Pedrosa foi um defensor da aproximação entre ciência e arte e, ao mesmo tempo, o pesquisador apaixonado pela arte primitiva e popular.
A organização e seleção dos textos foi realizada pelo professor Lorenzo Mammì, mostra a complexidade e abrangência da visão crítica do autor. Para Mammì, “a originalidade de Mário Pedrosa, sua marca pessoal no pensamento estético do século XX, está justamente na maneira com que entrelaça abordagens aparentemente tão distantes”.
A professora da USP Otília Arantes, principal pesquisadora e comentadora da obra de Pedrosa, em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo, pontua: “Não é fácil contudo definir a atualidade de Mário Pedrosa, para além do exemplo e da envergadura do personagem, sobretudo se confrontada com os herdeiros intelectuais de duas décadas de estagnação mental e retrocesso social. Se disser que a atualidade está antes de tudo no método crítico e não na matéria histórica das opiniões – aliás exatas no seu tempo, de Käthe Kollwitz e muralistas mexicanos até Brasília e o construtivismo –, estarei sendo pouco específica, ou melhor, estarei dizendo apenas o essencial, a saber, que a força de seu modo de aproximação dos problemas da modernização artística brasileira provinha justamente da maneira pela qual soube reatar com o veio subterrâneo da melhor tradição cultural brasileira, mais exatamente com a tradição de reflexão antiilusionista sobre a diferença brasileira e, por isso mesmo, sempre projetada sobre o fundo da marcha desigual – e enganosamente convergente – da civilização capitalista em expansão no planeta”. Para Arantes, a originalidade do método crítico de Mário Pedrosa parte do seu “ajuste entre tendências internacionais e realidade local (algo impensável ou sem sentido para um crítico europeu, pelo menos enquanto lhe for possível refletir sobre a tendência do seu material sem pô-lo à prova na câmara de decantação da periferia). E mais: toda vez que abandonamos tal modo de pensar em dois tempos – que manda confrontar a norma metropolitana com o seu “desvio” colonial e vice-versa-, resvalamos para a mais completa irrelevância (como costuma lembrar Roberto Schwarz). O que, é claro, não foi o caso de Mário Pedrosa. Podemos apreciar tal método crítico, característico da situação periférica, em funcionamento na disputa, redefinida pelo nosso autor, entre “figurativos”, partidários da ênfase na cor local – tal como a redescobriu e reinventou o modernismo em seu momento “nacionalista” – e o internacionalismo dos “abstratos”. Ao demonstrar a pertinência nacional da abstração e a relevância cosmopolita do modernismo do período anterior, Mário Pedrosa, ao advogar nesses termos a causa de uma possível tradição construtiva brasileira, simplesmente dava continuidade, apesar do desencontro na avaliação – arte abstrata ou figurativa? –, à lógica mesma de nosso sistema cultural binário, que mandava regular um pelo outro, o particular-local e o universal-ocidental”. A professora arremata: “[…] não estarei exagerando se observar que Mário Pedrosa nunca foi tão premonitoriamente atual quando, pressentindo o retrocesso global que se anunciava, recomendava aos artistas que resistissem discretamente na retaguarda e dessem passagem à luta política propriamente dita. É que, tantos anos depois, tal premonição viu-se ironicamente confirmada pela reviravolta que somos obrigados a testemunhar, esfregando bem os olhos para crer: à sombra da revanche do capital, os antigos dissidentes sentem-se cada vez mais à vontade na substituição do confronto político pela ação cultural, tanto mais reconfortante quanto conduzida sob o pretexto de aprimoramento estético na percepção da nova ordem mundial”.
Em outro artigo, publicado na revista Discurso, do Departamento de Filosofia da USP, Otília Arantes contextualiza: “Sem querer atribuir a Mário Pedrosa o mérito exclusivo pela modernização da arte no Brasil de pós-guerra. é necessário, entretanto, reconhecer que teve um papel relevante, ao trazer à discussão e estimular tendências de que a nossa crítica não fazia caso. De fato, foi ele o nosso primeiro critico a assumir a defesa da arte abstrata, além de ter sido o responsável pela formação do primeiro núcleo de artistas não figurativos, em 47/48, no Rio. Nesse tempo, Mário passou a escrever com regularidade, especialmente no Correio da Manhã, crônicas sobre as últimas manifestações artísticas. encorajando os artistas que ousavam romper as convenções, tornando-se logo, segundo expressão dele mesmo, o maior “arauto” das vanguardas nas artes plásticas. O que causou, obviamente, um certo mal-estar e mesmo, muitas vezes, irritação, no meio da crítica oficial ou acadêmica”. Arantes cita Pedrosa, que no texto “Arte e revolução”, diz: “A revolução política está a caminho; a revolução social se vai processando de qualquer modo. Nada poderá detê-las. Mas a revolução da sensibilidade, a revolução que irá alcançar o âmago do indivíduo, sua alma, não virá senão quando os homens tiverem novos olhos para olhar o mundo, novos sentidos para compreender as tremendas transformações e intuição para superá-las. […] Confundir revolução política e revolução artística é, pois, um primarismo bem típico da mentalidade dominante”. A professora comenta: “Combatendo por uma arte autônoma e revolucionária, Mário manteve-se sempre a uma igual distância da arte empenhada, quanto do esteticismo de uma ‘arte pela arte’”.
Lorenzo Mammì, em entrevista concedida ao jornal O Globo, sobre a abrangência das abordagens críticas de Pedrosa, diz: “Desde seu primeiro ensaio, sobre a gravurista alemã Kathe Kollwitz, Pedrosa utiliza uma gama bastante ampla de referências: “As origens da arte”, do etnólogo Ernst Grosse; “O Capital”, de Marx; “Arte e revolução”, de Richard Wagner; os textos sobre arte do socialista romântico John Ruskin. Ele parece procurar sempre parâmetros que possam funcionar em vários planos: político, cognitivo, estético. Dessa maneira, constrói chaves de leituras da obra de arte que são próprias dele e bastante originais, inclusive em relação ao cenário internacional. O pensamento de Pedrosa não pode ser reduzido a uma única escola. Por outro lado, é preciso lembrar que, na época da formação de Pedrosa, o pensamento sobre arte era muito mais fluido e interligado do que as divisões rígidas da historiografia posterior sugerem”. Segundo Mammì, “A arte, para Pedrosa, tem naturalmente um conteúdo cognitivo e político. Ela constrói uma imagem “mítica” do mundo condizente ao nível dos conhecimentos e da consciência social de cada época. Por isso, não precisa ter necessariamente um conteúdo engajado para ser política”.
As edições são divididas em quatro núcleos temáticos – Arte, Arquitetura, Cultura e Política –, contam com material de pesquisa inédito, entre notas, manuscritos, imagens e textos, bem como com prefácios, posfácios, notas, textos de orelha, depoimentos. A coleção foi iniciada com quatro títulos: dois volumes de arte (crítica diária I e II), um volume de ensaios sobre arquitetura e outro com seus escritos políticos.
O pernambucano Mário Pedrosa, desde jovem militante de esquerda, foi perseguido pelo Estado Novo e pelo regime militar, enfrentou a prisão e o exílio. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Como crítico de arte, foi figura atuante na imprensa e em instituições, tais como a Bienal de Arte de São Paulo e o Museu de Arte Moderna do Rio. Seu pensamento foi profundamente influente nos debates sobre o encontro entre arte e política, sobre a ascensão do concretismo à construção de Brasília. Sua crítica de arte sempre foi também análise histórica, social e política.
Autor: Mário Pedrosa
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 55,93 (624 págs.)