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Folclore brasileiro

11 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“aos cantadores e violeiros, analfabetos e geniais; às velhas cantadeiras de estórias maravilhosas, fontes perpétuas de literatura oral do Brasil, ofereço e consagro este livro que jamais hão de ler.”

gravura de Gilvan Samico

gravura de Gilvan Samico

Os dois volumes da Antologia do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, são uma referência única a aspectos do folclore e da etnografia brasileira.

Publicado originalmente em 1943, estimula, no leitor brasileiro atual, indagações sobre o paradeiro de tantas tradições da cultura popular. Há alguma nostalgia em relação a aspectos histórico culturais que a discrepância secular torna perceptíveis de uma maneira por demais abstrata, indiferenciando-nos em relação a tantos aspectos de nossos personagens formadores de cultura, a nosso passado, à nossa história? O que há em nós, enquanto povo, do chamado povo brasileiro de outros séculos? O que de nosso folclore já não é senão poético? 

Felizmente, este intelectual, um dos maiores pesquisadores do folclore brasileiro, que almejava conhecer a fundo tudo o que fosse genuinamente brasileiro e que descreveu as coisas que não estavam registradas nos livros e que não eram ensinadas nas escolas, as registrou, ao longo de sua tão profícua obra: inúmeros livros, que vão desde a literatura, passando pela gastronomia, pela cachaça – sua admirável sociologia da aguardente -, pelas jangadas, pelos vaqueiros, pelas superstições, pela história da cultura popular brasileira, resguardando a riqueza de sua pesquisa.

Nestes dois volumes, o notório antropólogo e historiador reuniu cem textos de autores brasileiros e estrangeiros, alguns, de acesso extremamente difícil. No prefácio à obra, Câmara Cascudo indica, como seu objetivo, a apresentação dos “aspectos mais vivos do Povo brasileiro através de quatro séculos”, alinhados ao conceito de folclore como “uma ciência da psicologia coletiva”, com implicações em psiquiatria, sociologia, política, religião.

Os depoimentos começam acompanhando viajantes estrangeiros na época colonial e chegam até os estudiosos brasileiros do século XX. O leitor pode partilhar a surpresa de Gaspar de Carvajal, em 1541, ao assistir o combate de seus companheiros com as amazonas; acompanhar o terror de Hans Staden, prisioneiro dos índios, pronto a ser devorado; os fantasmas noturnos que apavoravam os índios, segundo o depoimento de Anchieta; a dança de guerra dos tupinambás, narrada por Jean de Léry. Nos séculos XIX e XX, com o país povoado e desenvolvido, mas asperamente pitoresco a olhos de estrangeiros, sobretudo europeus, o leitor se delicia com a malhação do Judas, testemunhada por Debret; as seduções do lundu, dança presenciada por Tollenare; Spruce ouvindo, deliciado, o canto do uirapuru.

Aliado a isso, o livro traz textos de autores brasileiros que analisam lendas, crenças, superstições, pesquisam os apelidos, registram quadrinhas populares, ditados, feitiços e desafios, narram vaquejadas, refletem sobre as adivinhas, as danças típicas, a alimentação do homem do povo, o inconsciente folclórico.

Numa empreitada que começou em 2000, a Global Editora relança toda a obra de Luís da Câmara Cascudo, engajada no registro da tradição oral brasileira, perpetuada em conversas ao pé do fogão. Os “causos” e lendas populares lhe renderam cerca de 160 livros.

Sobre as concepções políticas de Câmara Cascudo e sua divergência com os modernistas, Sebastião Breguez, professor da UFV, aponta, em artigo, contextualizando: “Luís da Câmara Cascudo ficou conhecido, no Brasil e exterior, pela vastidão de seus interesses e pela paixão pelas coisas do povo. Mas foi um homem conservador, ligado à reação e dono de uma concepção de povo que muitas vezes deixa evidente a marca ideológica. Isso não impediu que fosse estudado e admirado por autores e intelectuais de esquerda, como o poeta Carlos Drummond de Andrade e o modernista Mário de Andrade, com quem colaborou nos anos 1920, o que o fez voltar suas pesquisas para a cultura popular”. Segundo Breguez, o “encontro com os modernistas foi o marco mais importante de sua vida de escritor e pesquisador. A partir daí Cascudo deixou de pesquisar o erudito, que é expressão da elite dominante, e passou a buscar inspiração no popular, nas coisas do povo, na cultura do povo como expressão de uma face da sociedade com seus modos de pensar, sentir e agir.. Foi Mário de Andrade quem lhe deu esta pista que foi o farol que passou a orientar sua nova investida na carreira de pesquisador. Mas a metodologia e as técnicas de levantamento de dados de Cascudo não são claras”. 

Câmara Cascudo sempre se encantou pelas histórias contadas, em casa pelas amas e, na rua, pelos espetáculos populares: ia às feiras, mercados e procissões para compreender e fixar perfis humanos e descrever tudo o que via. Suas anotações versam sobre o cotidiano, as coisas simples, os hábitos da gente à sua volta.

Há um Dicionário crítico Câmara Cascudo [Perspectiva, 2003], que se oferece como um guia de orientação à obra gigantesca do pesquisador, composta por mais de cem volumes, só sobre o folclore brasileiro. O dicionário, em suas 328 páginas, reúne artigos de professores que analisam cada um dos livros de Cascudo, foi organizado por Marcos Silva, da Universidade de São Paulo. O Dicionário realiza uma contextualização histórica e sugere uma boa compreensão sobre as estruturas internas da obra do autor.

 

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ANTOLOGIA DO FOLCLORE BRASILEIRO – VOLUME I

Autor: Luís da Câmara Cascudo
Editora: Global
Preço: R$ 47,20 (326 págs.)

 

 

 

 

 

 

ANTOLOGIA DO FOLCLORE BRASILEIRO – VOLUME II

Autor: Luís da Câmara Cascudo
Editora: Global
Preço: R$ 47,20 (326 págs.)

 

 

 

 

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