fotografia

Textos de intelectuais do séc. XX, sobre a fotografia como símbolo, signo, conceito

10 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Levantamos aqui significativos ensaios sobre a fotografia, que a desdobram enquanto símbolos e signos de conceitos: aprofundamento em sua significância, artística e filosófica. O que define um intelectual, entre outros, é o caráter contemporâneo e abrangente de seu pensamento. Trata-se de uma constante renovação do interesse, pela qual a atualidade se reconhece em um passado longínquo, recupera-se no interior de ordem inusitada à vista desarmada. Pensamento que expande os horizontes da especialização e desdobra os elementos de suas análises em ricas metáforas conceituais, criando ramificações profundas, aptas a inaugurar questões, apontar problemas latentes, identificar percursos, iluminar relações.

 

Walter Benjamin, “Magia e técnica, arte e política”

Walter Benjamin é autor de dois dos mais citados ensaios sobre fotografia. “Pequena história da fotografia” e “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” encontram-se ambos no volume Magia e técnica, arte e política. As reflexões sobre a fotografia permitiram ao filósofo problematizar a noção de aura, bem como traçar a história das transformações irreversíveis da reprodutibilidade, responsáveis por transformar a obra de arte. A aura traduz a essência transcendente, inesgotável e distante da obra de arte, a distância intransponível do objeto artístico. A análise sobre a fotografia encaminha o desenvolvimento do conceito; a imagem fotográfica, como imagem técnica, suficientemente verossímil, feita a partir da realidade e apta à reprodutibilidade, inaugurou possibilidades interpretativas históricas, sociológicas e filosóficas. “Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho” [“A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”].

 

Barthes, “A câmara clara”

O ensaio de Roland Barthes testemunha a subjetividade da imagem, sua percepção afetiva. A câmara clara, escrito à luz da leitura de O imaginário, de Sartre, a quem dedica o livro, segundo o próprio autor, “não é nem uma sociologia, nem uma estética, nem uma história da foto. É, sobretudo, uma fenomenologia da fotografia”. A fotografia é por ele compreendida como o advento do eu como outro, localizada no desdobramento da consciência de identidade. Sua investigação busca apreender o caráter ontológico da imagem fotográfica. A fotografia reproduz um momento, portanto repete, mecanicamente, algo que não se repetirá existencialmente: ela traz consigo seu referente. Barthes reconhece as riquezas singulares que podem vir a ser eternizadas em uma imagem fotográfica, que, corte específico no tempo e no espaço, funciona como ícone do sujeito. “Um dia, há muito tempo, dei com uma fotografia do último irmão de Napoleão, Jerônimo (1852). Eu me disse então, com um espanto que jamais pude reduzir: ‘Vejo os olhos que viram o Imperador’”.

 

Siegfried Kracauer, “O ornamento de massa”

O crítico cultural e literário, sociólogo, etnólogo das metrópoles, jornalista e escritor Siegfried Kracauer, em O ornamento da massa, dedica um ensaio à compreensão da fotografia como fenômeno da modernidade, prognosticando a fragilidade de formalização simbólica diante da superexposição às imagens. “A fotografia” dialoga diretamente com Walter Benjamin e reflete aspectos fundamentais da estética cinematográfica como concebida por Kracauer ao longo de sua obra. Segundo ele, as imagens fotográficas não registram experiências passadas, mas a configuração espacial de um instante – configuração que, enquanto tal, aguarda seu deciframento crítico emancipador. Kracauer atribui, tanto à fotografia, como também ao cinema, a possibilidade humana de assistir à sua própria ausência. Ele assim estabelece uma relação entre fotografia, cinema, realismo e luto, tradução de uma experiência de alienação, no sentido como o marxista compreende o termo. “Se a fotografia se oferece à memória como suporte, é a memória que deve determinar a escolha. Mas esta torrente de fotografias varre todos os seus diques. O assalto de coleções de imagens é de tal modo violento que talvez ameace destruir os traços decisivos à consciência” [“A fotografia”].

 

Susan Sontag, “Sobre fotografia”

Sobre fotografia, de Susan Sontag, originalmente publicado em 1977, é uma reunião de ensaios que são considerados clássicos pela originalidade com que extrapolam a reflexão sobre a história da fotografia e aprofundam-se na análise da nova ética da visão instaurada pelo advento da máquina fotográfica. Uma reflexão filosófica, sociológica e artística, sobre o mundo em que as relações humanas passaram a ser mediadas por imagens – “mundo-imagem”, como define Sontag. Ao longo dos seis ensaios que compõem o volume, ela analisa os domínios da técnica da fotografia, porém com um enfoque que separa a prática fotográfica do quadro social que a inventa e a consome. “A realidade, como tal, é redefinida pela fotografia”, ela diz ao problematizar as relações estabelecidas entre os acontecimentos e as imagens produzidas a partir deles. Sontag mostra como as noções de fato e representação embaralham-se nas sociedades industriais e consumistas, nas quais “tudo existe para terminar numa foto”.

 

André Bazin, “O que é o cinema?”

O livro O que é o cinema?, de André Bazin, traz uma coletânea de ensaios fundamentais, não só sobre questões do cinema em si e de sua história, mas articulando-as a suas relações com a filosofia, com a própria ideia de representação, com fotografia, teatro e literatura. Para Bazin, a fotografia, assim como o cinema, é arte do real, pois registra a espacialidade dos objetos, bem como o espaço ocupado por eles: uma realidade em si mesma ambígua. Nos seus registros do mundo, essa arte deve captar tal ambiguidade fundadora, donde sua vocação ontológica. No ensaio que abre o volume, o interessante “A ontologia da imagem fotográfica”, ele diz: “A religião egípcia, toda ela orientada contra a morte, subordinava a sobrevivência à perenidade material do corpo. Com isso satisfazia uma necessidade fundamental da psicologia humana: a defesa contra o tempo. A morte não é senão a vitória do tempo. Fixar artificialmente as aparências carnais do ser é salvá-lo da correnteza da duração: aprumá-lo para a vida”.

 

 

Os críticos aqui selecionados não foram nem fotógrafos, nem artistas, nem estudiosos especialistas no tema, o que dá ao conjunto o caráter de distanciamento necessário para o desenvolvimento, a partir da fotografia, de problematizações sobre questões epistemológicas, estéticas, sociológicas, políticas, históricas, morais. Como disse Susan Sontag, “colecionar fotos é colecionar o mundo”.

 

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