Simulacros e simulação, do filósofo francês Jean Baudrillard é um tratado irônico sobre os símbolos que permeiam a compreensão contemporânea de realidade.
Ele parte da identificação do conceito do simulacro enquanto gerador de modelos de um real, cuja origem, porém, não encontra-se na realidade. As simulações e os simulacros não são apenas abstrações fictícias, mas representações da realidade, feitas a partir de vestígios imaginários desta mesma realidade, que criam um hiper-real. Partindo de uma reflexão sobre os sentidos da imagem, da fotografia à publicidade, Baudrillard chega à crítica da sociedade de consumo, constatando a perda da relação do sujeito com o objeto. O real, segundo ele, desapareceu, desintegrando todas as contradições à força de produção de signos equivalentes.
Baudrillard ao longo do livro desenvolve a noção de hiper-realidade, que, povoada por simulacros, toma o lugar da realidade. Trata-se de um diagnóstico de época, da demonstração de que, no mundo moderno e contemporâneo, as imagens tornaram-se paulatinamente tão repletas de conteúdo, que passaram de símbolos a coisas reais. O filósofo parte de eventos sociológicos, políticos, morais e estéticos para analisar o simulacro em diferentes instâncias de sua influência significante na realidade. Ele, ironicamente, mostra que a realidade deixou de existir, substituída por sua representação, que é largamente difundida pela força imagética, sobretudo das mídias televisivas e fotográficas. Através das imagens, os símbolos sobrepujaram o real em termos de significância. Segundo ele, a produção de sentidos já nem mais parte do olhar humano, antes, são feitas pelos meios, que inclusive fazem o direcionamento semântico do olhar.
A fotografia, ao lado da televisão, tem, como função primordial, a produção de imagens que invertem os valores, passando de representações à realidade em si mesma. A humanidade e a realidade perdem-se como referenciais, em um mundo em que os símbolos tornam-se modelares: Trata-se de uma substituição, no real, por signos. A fotografia é exemplar, enquanto processo de construção de simulacros em um processo de simulação. Sua função, enquanto produtora de imagens, é espetaculizar o real, fabricando um hiper-real, que sobrepõe-se à própria realidade.
O ensaísta Victor Rosa, em artigo publicado pela Revista Zunái, em que analisa as fotografias realizadas pelo filósofo, publicadas no Brasil no livro O anjo de estuque, analisa: “É Baudrillard mesmo quem diz: “Aquele que já não tem sombra é apenas sombra de si mesmo”. Quer dizer: já não estamos mais lidando com a hipótese de que há o original e sua cópia. A suposição, em Baudrillard, é ainda mais radical: é a de que a cópia passou a ser, paradoxalmente, o original – ou seja: o Real, se é que isso existe, sumiu, desapareceu, e só pode, agora, ser perversamente simulado através da publicidade, do excesso de informação simultânea, da interatividade – através de toda relação virtual”. Nas palavras de Rosa, trata-se de uma “provocação, quase uma profecia, sempre com uma ironia inesperada: não haverá mais tempo para acontecimentos reais se realizarem – tudo será precedido, como numa paródia mais que instantânea, de sua realização virtual, publicitária e informativa (tudo será transformado em imagem antes mesmo de sua realização no mundo). As coisas se tornarão tão aceleradas que não haverá tempo, sequer, para imaginar – quando a idéia surgir, quando o real acontecer, quando o diálogo houver, será tarde demais, pois já se tornará imagem, ilusão, incerteza. É nesse instante que o Real desaparece e o falso é revelado”. O desaparecimento do “real”, portanto, deve-se ao seu próprio excesso, como diz Rosa, “ou seja, é porque existe realidade demais. Em outras palavras, é o excesso de realidade que provoca o fim da realidade, da mesma forma que o excesso de informação provoca o fim da comunicação”. O hiper-real é completamente positivo, e , conforme Baudrillard diz em A transparência do mal: “Ora, tudo que já não pode ser negado como tal é condenado à simulação indefinida”.
Outro livro em que o autor também desenvolve a noção de simulação decorrente da imersão do mundo em uma realidade feita de simulacros é A arte da desaparição, coletânea de ensaios sobre a arte contemporânea, no qual diz: “Por trás da orgia das imagens, alguma coisa se esconde. O mundo furtando-se por trás da profusão das imagens é o caso de uma outra forma de ilusão talvez, uma forma irônica”. A vertigem do real, “simulação encantada”, é ilustrado pelo trompe-l’oeil, que representa a realidade enquanto simulacro: “a simulação envolve todo o edifício da representação como simulacro”.
Autor: Jean Baudrillard
Editora: Relógio D’água [Portugal]
Preço: R$ 52,60 (202 págs.)