Literatura

Imperdoável

24 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Rogério Pereira acaba de ter publicado seu primeiro romance, Na escuridão, amanhã. Segundo o autor, foi gestado durante mais de dez anos. “Mas o longo tempo de gestação não significa rigor, mas incapacidade de encontrar o ritmo adequado a uma história fragmentada de retirantes”, disse Rogério ao jornal Gazeta do Povo. O romance conta a história de uma família de retirantes que parte da roça para a cidade grande, que lhes parece assustadora. No mesmo artigo, Rogério diz: “[…] minhas intenções eram tratar do estranhamento que uma cidade pode causar numa família de retirantes, do silêncio que nos sufoca o tempo todo, da falta de comunicação, da fragilidade das relações familiares, de Deus, do demônio”. A narrativa principia no desvelamento de uma vida emocionalmente opressiva na roça, em que os protagonistas emaranham-se cada vez mais na ausência de comunicação, perseguidos pela ideia de um Deus punitivo e impiedoso; ao migrar para a cidade em busca de vida melhor, porém, a família encontra sua aniquilação. O enredo, pesado por si, marcado pelo misto de raiva e impotência que acompanha o narrador, toca ainda um aspecto perverso com as imagens de abuso sexual e violência doméstica retratadas. Surpreendentemente forte e claustrofóbico, o livro é marcado por uma prosa intimista, rica em detalhes e cadenciada pela cuidadosa construção dos personagens. Uma história densa, a um só tempo sensível e agressiva.

Rogério é conhecido por ser o criador do ótimo jornal literário Rascunho. Escreve crônicas semanais para o site Vida Breve.

Segundo Beatriz Resende, professora titular de poética da UFRJ, em artigo escrito para a Folha de São Paulo, “em “Na Escuridão“, não há perdão, não há reconciliação, porque justamente as palavras são imperdoáveis. “De que servem as palavras agora, pai, quando o que nos envolve já não significa nada?”.

Eliane Brum, em sua antiga coluna na revista Época, contou a interessante história de vida de Rogério Pereira e, consequentemente, a história do jornal Rascunho: inspiradora história, de uma singela luta pela sobrevivência que conseguiu unir-se ao amor nato pela literatura. No artigo, Eliane conta: “Pergunto a ele por que escreve. Ele diz, alertando que para esta resposta não há como evitar os clichês: “Escrevo porque preciso, porque guiei a minha vida para a escrita, a literatura. Fiz da leitura um projeto para a vida toda. Não estou aqui à toa. Estou aqui porque construí o que sou – com toda a sorte pelo meio do caminho. Escrevo também por vingança àquele barril, escrevo para enchê-lo. Escrevo para me humanizar. Escrevo por vaidade, escrevo por vingança – sentimentos nada nobres, sei bem. Escrevo também porque talvez seja uma boa maneira de esperar a morte”. E mais adiante: “Os livros me salvaram. Eu sou o que li. O que busquei. Cada livro que li, cada livro que pensei em ler, cada livro que li pela metade, é o que sou”.

 

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“Teço as falas, mas elas não se solidificam, acaricio as bordas da xícara e admiro os cabelos escorridos na testa da mãe. Nos sulcos do rosto corre uma enxurrada incandescente, lenta, silenciosa, triste. Queria poder ler cada traço, cada história ali acumulada, sei tantas, mas não conheço as que mais me interessam: as histórias da mãe. Os ciscos desejam rolar da mesa e entrar nas frestas do assoalho. Ainda não sei como dedos tão nodosos conseguem separar os restos do feijão. Deixe-o assim, implico, mas ela insiste que pelo menos o alimento deve ser puro e limpo na panela.”

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NA ESCURIDÃO, AMANHÃ

Autor: Rogério Pereira
Editora: CoscaNaify
Preço: R$ 22,40 (128 págs.)

 

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